3 de jul. de 2015

Chamem o carteiro: preciso de boas notícias!

Escrito e lido por: Eliana Rezende 

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Em que ponto, em que rua ou travessa de sua existência seu carteiro parou?
Sim, aquele personagem que o visitava todos os dias, mas não com faturas de contas ou boletos bancários, cobranças várias, mas sim, aquele que lhe trazia notícias de longe?
Aquele que por anos a fio visitava toda a sua rua e conhecia cada morador por nomes, hábitos e caligrafia?
Incrível como o tempo e as tecnologias nos afastam de alguns personagens urbanos. O carteiro era destas figuras que por largos tempos eram esperados todos os dias de forma ansiosa num misto de muitos sentimentos. Às vezes havia euforia, risos, contentamento, outras tantas tristeza, preocupação, melancolia, saudades...

Sua vinda representava que alguém em alguma parte havia tomado tempo de suas horas e nos dirigido palavras... muitas carregadas de emoção. Algumas noticias chegavam acompanhadas de pequenos retalhos, detalhes, inserções: pétalas de flores, fotografias, marcas de batom, papéis coloridos, folhas secas. 

O tempo das escritas manuscritas perdem-se na história, e em alguns casos já não são nem mais referência de coisa alguma. O carteiro e suas cartas em papéis perfumados, coloridos povoam mentes de poucos e em geral, tem em comum uma mesma geração. A mesma que colecionava envelopes, papéis, selos, canetas coloridas.

Era este personagem que carregava em suas mãos nossos amores, segredos, saudades, esperanças, promessas, planos. Em pedaços pequenos, geometricamente cortados eram carregados em ordem numérica no crescer ou decrescer da ordem das casas distribuídas pela rua. Mas nem por isso, deixava de saber o nome do remetente e destinatário. Amigo íntimo de cães, senhoras, gatos, moleques e bolas. Tinha de driblar todos para conseguir cumprir sua função que era a de nos fazer chegar nossas mensagens.

Sabia guardar segredos e zelava para que nunca uma carta encontrasse mãos erradas ou indevidas. Zeloso cuidador.

Em dias de chuva o cuidado era redobrado: afinal a água que vinha do céu não podia estragar sua preciosa carga. Se tivessem que ser molhadas que fossem pelo sal das lágrimas de contentamento ou tristeza de um destinatário qualquer, mas nunca por uma faxina de São Pedro pelos céus da cidade!
E ainda haviam os postais.

Ah...os postais!
Quanta imaginação e emoção provocavam.
Receber um era daqueles sinais de mais alta estima e conta. Afinal alguém distante em viagem de passeio ou negócio havia parado, escolhido, postado e enviado uma mensagem que vinha como imagem recortada de um sonho de deslocamento. Quantas gavetas e quantas caixas estes postais encheram por tantos lugares através do tempo. Ofereciam ao seu destinatário a possibilidade de simplesmente embarcar em trechos de belas histórias, em roteiros imagéticos que seriam em um encontro de retorno completamente detalhado e destrinchado com notas e explicações. Com sorte ainda ganhariam fotografias posadas trazidas pelo viajante. E para além de tudo traziam a escrita em próprio punho do emissor.
Em seu verso eramos agraciados com um carimbo de local e data e quase sempre um belíssimo selo. Uma composição para os sentidos e imaginação.


Uma preciosidade que só nos alcançava graças às mãos e ao trabalho de nosso personagem carteiro.
Portador de tantas histórias miúdas, acontecidas como que a conta-gotas e dia a dia sentia-se feliz e orgulhoso de participar desta troca.

Às vezes chegava-nos urgente, com pressa: trazia um telegrama. Era comum quase esperar sua abertura para saber se haveria risos ou tempestades. A euforia e pressa do destinatário em geral não esperava o portão se fechar.
As palavras aqui eram curtas, cifradas e teriam que valer pela urgência na entrega.

Hoje os tempos são outros. Não sabemos nem o nome e nem a cara de muitos carteiros. As casas diminuíram muito e na imensidão de prédios condomínios contam com a ajuda de caixas impessoais com números e chaves. Nunca sabemos quem por lá andou e em geral, o volume que nos chega passa muito longe de ser agradável ou motivo de memórias e lembranças. Apenas cumprem uma função logística de distribuição, onde o que conta é mesmo um número dentro de um escaninho ou caixa.

As noticias alcançam-nos por outras vias. Talvez mais rápidas e imediatas, mas com certeza sem a aura de tempo e cuidado dispendido em sua elaboração e destino.
E então, chamem meu carteiro: quero boas noticiais!!!


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3 comentários:

  1. Muito bom, Eliana!
    Me fez lembrar, quando todo mês, esperava notícias de casa. Vinham duas três cartas por vez! Da minha mãe, do meu avo e do meu pai.
    Era o ponto alto de cada mês, independente do que houvesse acontecido antes ou depois. Ainda guardo algumas dessas cartas, escritas a mão na letra floreada do meu avo ou técnica e medida da minha mãe.
    Hoje, perdemos o costume, banalizado no e.mail ubiquito. Carteiros passaram a entregar contas e recibos de cobrança ou marketing diversos. Passaram a ser quase que apêndices de mercado.
    Gostei de ler seu post. Me levou a outros tempos na varanda em Pinheiros.
    Abs

    LionelC
    2e1

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    Respostas
    1. Ol@ Lionel...
      Me inspirei para escrever o post no meu carteiro de infância que me acompanhou por toda a minha fase de adolescencia e era ele que tbm me trazia as cartas do que viria a ser meu marido. Apesar de morarmos na mesma cidade a carta era algo muito bom...
      Recebia postais e era uma festa receber de lugares que nunca tinha ido. ]ficava imaginando como seria. Qdo adulta tive o prazer de visitar vários postais e buscava o enquadramento do postal,
      Meu carteiro ficou na minha rua até se aposentar.Eu cresci, casei, mudei e nunca mais tive um carteiro para chamar de meu.
      Abs e saudades daqueles tempos

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    2. Sim, essa passagem do tempo nos faz guardar pedaços dele, memórias, para aprender e apreender. Valores únicos, como os que já mostrastes tão bem, em outro dos teus posts (http://pensadosatinta.blogspot.com.br/2014/04/como-se-constroi-uma-narrativa.html) se não me engano.
      Obrigado por fazer-me lembrar desses tempos e essas letras.
      Abs

      LionelC
      2e1

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