31 de jan. de 2014

O papel e a tinta por Da Vinci

Por: Eliana Rezende

Certo dia, uma folha de papel que estava em cima de uma mesa, junto com outras folhas exatamente iguais a ela, viu-se coberta de sinais. Uma pena, molhada de tinta preta, havia escrito uma porção de palavras em toda a folha.
— Por que você não me poupou dessa humilhação? — perguntou, furiosa, a folha de papel para a tinta.
— Espere — respondeu a tinta —, eu não estraguei você. Eu cobri você de palavras. Agora, você não é mais apenas uma folha de papel, mas sim uma mensagem. Você é a guardiã do pensamento humano. Você transformou-se num documento precioso!
E, realmente, pouco depois, alguém foi arrumar a mesa e apanhou as folhas para jogá-las na lareira. Mas, subitamente, reparou na folha escrita com tinta, e então jogou fora todas as outras, guardando apenas a que continha uma mensagem escrita.


A fábula traz em si o sentido de como o processo de produção origina um documento e com isso um testemunho para o futuro. Todos os que trabalham com as tintas que se derramam sobre o papel devem pensar sobre seu valor como patrimônio e legado.

Discussões sobre suportes e meios não importam tanto quanto aquilo que se imprime na folha que está em branco. Com o "poder" da tinta sobre o papel desenham-se e materializam-se ideias que auxiliam o povoar e habitar de outras mentes e outros pensamentos: a escrita é virtuosa exatamente porquê "contamina". 
Tal como um vírus, ela se altera tanto quanto se dissemina. 

Gosto de pensar que as palavras materializem ideias e disseminem prismas e quiçá num futuro possam ser lidas como testemunho de um dado passado. 


Únicos a ser capazes de atribuir sentidos, significados e sentimentos àqueles que em avulso representam apenas sinais pictóricos, o homem vive a crise dos suportes e dos meios tecnológicos. 


E assim, que venham tablets, internet, e-books, ou quaisquer gadgets: coexistirão sempre com as palavras que lado a lado expressam ideias corporificadas e carregadas de sentido.  

As apocalípticas profecias do fim de tudo, felizmente continuam a existir para que engrossem pilhas de não cumprimentos.


Felizmente a vida vai passando, com elas muitas tecnologias e nós vendo-as passar e coexistir. 


Talvez seja essa a magia: perceber que tudo permanece pela eternidade que lhe é possível e em conformidade com o seu tempo.


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28 de jan. de 2014

Consumidores ou Coletores de Informação?

Por: Eliana Rezende

Será que pensar dói? Será algo incapacitante?
Tome o tema como uma "provocação" sadia...
O ponto de partida do autor Neal Gabler, da Universidade do Sul da Califórnia é uma constatação desconcertante: vivemos em uma sociedade vazia de grandes ideias, leia-se, conceitos e teorias influentes, capazes de mudar nossa maneira de ver o mundo.

Em sua argumentação, nós anteriormente coletávamos informações para construir conhecimento. Procurávamos analisar e explicar o que havia à nossa volta. E a partir daí construíamos grandes ideias: conceitos e teorias capazes de mudar a compreensão do mundo.

Em sua perspectiva, o que vem inviabilizando a produção de conhecimento é exatamente o excesso de informação. Numa inversão não muito qualitativa, substituímos a produção de conhecimento pelo excesso de informação. Em contrapartida, tudo o que não pode ser rapidamente transformado em lucro é abandonado rapidamente.


Quando li este artigo em um voo, fiquei pensando em todos os temas possíveis e prováveis que o autor levantou em apenas uma página.
Daria muitas discussões. Por isso, meu "desafio provocativo".

Não pude parar de pensar sobre o que temos hoje em potencial tecnológico e o quanto estamos "limitados" quando comparados aos grandes revolucionários do pensamento ocidental. E aqui não precisamos retroceder toda a história da humanidade. Podemos ficar apenas com a produção intelectual dos séculos XIX e XX.

A ideia de termos nos transformado em consumidores de informação parece ser procedente; hoje em dia a urgência informacional por quantidades abissais de informação, parece levar ao fosso da limitação e exteriorização de ideias.

Defrontamo-nos cada vez mais com uma nova demanda que é a de saber como lidar com tanta informação. Caberá iniciarmos um processo que levará outras tantas décadas que é o de saber lidar interdisciplinarmente e compartilhadamente com essa grande massa informacional que tem possibilidades de transformar-se em conhecimento e inovação.
Quem viver verá!

Fico normalmente do outro lado, em muitos casos oriento trabalhos de Pós-Graduação e é muito usual perceber que os alunos procuram sempre um caminho mais curto ou cômodo. É bem verdade que não temos vida fácil, sempre com múltiplas tarefas e funções. Mas é absolutamente necessário e imprescindível parar, pensar... refletir.


Sempre procurar a interlocução: seja com quem está ao nosso lado, seja um autor de décadas ou séculos atrás. As formas de questionar e pensar o mundo ainda devem nos mover curiosamente em várias direções. Nem o mundo, nem as respostas estão prontas!

O conhecimento nunca é algo fechado e hermético. Está sempre em constante evolução e construção. Por isso, espaços de troca como estes (leia-se blogs, Grupos de discussão, etc.) são tão importantes!

De outro lado, e aqui mais um ingrediente colocado:
Um dos grandes problemas para a produção e profundidade de ideias está ligado a uma certa tendência à passividade ou comodidade frente ao dado.

Frequentemente notamos essa comodidade no formato de divagação frente à uma tela, por exemplo.
Temos formado uma geração passiva frente a ecrãs, onde a maior rapidez conseguida está nas teclas digitadas. E estas, quase sempre, para redigir simples fonemas ou  emoticons (série de caracteres tipográficos para exprimir sentimentos e estados de espirito).

Considero que o excesso de estímulos faz isso com as pessoas quase que sem se aperceberem disto:  há sempre uma quantidade muito grande de informações, mas que plainam sobre uma superfície. São horizontais e quase nunca se aprofundam ou verticalizam. A profundidade em geral é a de uma lâmina. 
Haja visto hoje em dia a proliferação de textos curtos, enxutos já que o leitor não consegue ficar muito tempo atento se a leitura exigir um número maior de parágrafos e ideias...

Costumo sempre repetir aos alunos que no caso de uma investigação de pesquisa, o mais importante não são quantas perguntas se faz a um objeto, mas sim quais são estas perguntas. 
Em todo processo de análise criativo e de produção de conhecimento, o como é muito importante. 
É deste como que a problematização se faz. É ela que revela qual o valor do que produzimos. 
É inegável que por onde o mundo caminhou não há mais volta.
Creio que não queremos voltar a nada, antes, contudo, queremos resgatar algumas coisas que ficaram lá atrás.

Lia outro dia e pensava exatamente sobre a dita robotização (do sérvio, escravidão) do mundo.
A tecnologia e todos os seus recursos são fantásticos, mas não podem (ou devem?) gerar dependência, nem escravização. O Homem é um ser pensante em sua essência e é preciso estimular esta capacidade de interlocução, questionamento, crítica (análise) construtiva, pensamento por conexões.
Infelizmente tem-se delegado às ferramentas tecnológicas esta "labor". 

Como estimular sem ser retrógrado?
Acho que uma das formas é simplesmente pensarmos por nós e "contaminarmos" quem estiver à nossa volta. Instigar, gerar curiosidade e aceitar a recíproca!

Veja, não se trata de provocar criticamente de forma desrespeitosa, mas simplesmente instigar com a intenção de crescer e fazer crescer a consciência crítica em nós e nos outros.


As vias possíveis, acredito, sejam a busca de um enriquecimento de repertório feito do que gostamos e até do que não gostamos (não podemos analisar e criticar o que não conhecemos!), abandonar alguns "pré-conceitos" e deixar que o outro venha ao nosso encontro com suas ideias e perspectivas.

O espaço de um grupo de discussão ou de um blog, como este, por exemplo, pode ser riquíssimo!
Apesar disso, algumas vezes vejo Grupos e Blogs preocupados em apenas jogar novas informações e deixam de ir ao ponto mais rico de tudo: aprofundar discussões! Incentivar os Debates e instigar a que novas ideias se produzam.

O dito "conhecimento" parece ser coisa fácil de alcançar: algumas tecladas no Google parecem satisfazer a maioria. Mas volto a dizer: o que temos muito fartamente são informações sem filtros, critérios ou profundidade. Conhecimento é outra coisa! Conhecimento não é Informação.
O mundo contemporâneo tem se satisfeito em fazer tabula rasa de quase tudo e em especial o que se refere ao conhecimento.

Conhecimento é alguma coisa que "custa"!
Custa empenho, esforço, dedicação pessoal. E num mundo onde o consumo e a pressa se alinham parece que há um certo descompasso em sua busca.

Mas como gosto de dizer: ainda acredito muito nas pessoas e vejo que não podemos generalizar. Há sempre aqueles que nos fazem crer que ainda vale a pena instigar... e ver "crescer"! 

24 de jan. de 2014

As faces de Sampa

Por: Eliana Rezende

Sampa amanheceu com um frescor próprio de outono, com céu azul e uma temperatura amena.


Reencontro-a paralisada ainda por uma greve nos transportes. Talvez por isso, acorda devagar, com ritmo mais lento e preguiçoso

Suas ruas e avenidas dão espaço para que mais corpos trafeguem sobre ela, sem serem interrompidos pelas chapas metálicas dos transportes coletivos, ou pelos fios dos elétricos que circulam por suas avenidas betumizadas e pelas edificações que se fecham como muralha, que tentam por seus deslocamentos aproximar pessoas e encurtar distâncias...



Os corpos se movimentam em diferentes ritmos: uns mais lentos, em passos vagarosos e sem pressa, imprecisos e incertos. Outros agitados e apressados buscam vencer distâncias com passos firmes e determinados: driblam obstáculos, outros corpos, outros passos.

Dos subterrâneos desta Sampa o Metropolitano cruza as distâncias e caminhos feitos de ferro.
Ferro sob concreto... Do concreto surge a multidão... homogênea... compacta...
Mil faces, múltiplos rostos... Corpos, muitos corpos alcançando o deslocamento em outros ritmos que não os dos próprios passos. Escrito por:Eliana Rezende - São Paulo, 2003


É uma cidade com uma alma bem vincada e absurdamente metropolitana.
Uma cidade que não diminui sua pulsação em momento algum e que mesmo quando espera se movimenta!
Reencontrá-la é também fazer sentir em mim o pulsar de vida ... a mesma vida que pulsa na alma desta cidade de tantos rostos..tantas faces...

22 de jan. de 2014

Flores outonais do nosso cérebro

Por: Eliana Rezende
Tempos atrás lia sobre como o cérebro de meia-idade pode ganhar habilidade surpreendentes conforme envelhecemos, mas isso não ocorre para todos.
Apesar disso, uma ressalva: só quem sempre manteve hábitos saudáveis e vida intelectual ativa conseguem essa tão desejada superativação.

O cérebro parece escolher dar menos atenção ao lado ruim da vida. 
Há nisso mais inteligência e sabedoria do que um cérebro jovem talvez seja capaz de perceber.
Acho fantástica essa perspectiva que a vida, o tempo, nossos neurônios e toda essa composição podem oferecer a nosso intelecto e a nossa essência.

Outono em Madri
O tema sempre encontra eco: até porque todos os que se mantém com atividades sentem essa forma que a vida encontra para dar-nos dias ao mesmo tempo em que o intelecto deixa de competir com o físico, e descobrimos que apesar das marcas da vida, a sabedoria dos anos nos faz bem melhores. 
Dá-nos um certo apaziguamento da alma saber que crescer em anos não significa necessariamente perder!
Esse raciocínio nos dá uma outra perspectiva de vida: afinal, vivemos em um mundo tão voltado para o exterior e para as aparência que imaginar que os anos nos trarão maiores e melhores condições de nos relacionarmos com nossas idéias parece ser mesmo uma grande vantagem.

No decurso de minha experiência profissional, lidando muitas vezes com a coleta de depoimentos, recebo inúmeros relatos de pessoas que se sentem aos 60, 70, 80 e até 90 anos com mais vigor mental e intelectual do que em anos anteriores de suas existências.
A juventude, por mais irônico que pareça, traz mais sobressaltos e inquietações.



Em geral muitos descobrem que a escrita nesse momento da existência e a agilidade de idéias encontra poder criativo: a alma liberta-se e todos ganham. 
Fantástico ter a exata noção de que, tal como um músculo, o cérebro quando exercitado, nunca deixa de responder.
São de fato, os artifícios que o tempo e a existência nos oferecem e brindam.
De tudo, o que sei é que importa bem pouco qual seja o artificio dos neurônios em festa e confraternização outonal: o que conta mesmo é que não estejam em fuga como tantos profetizavam.

Com isso as passagens das cifras numéricas que insistimos em chamar de anos sejam apenas e tão somente cifras, e para o bem de todos descobrimos que é bom "ler" o mundo com todos os nossos neurônios mais maduros e sensíveis.

São as flores e frutos do outono de nossas existências!

Oxalá seja sempre assim!


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18 de jan. de 2014

O valor da Memória Institucional no Universo Organizacional

Por: Eliana Rezende

Em outro post procurei explicar minha abordagem para Gestão Documental e sua importância no universo institucional.

Nesta oportunidade, gostaria de introduzir o tema Memória Institucional, sua importância no universo corporativo e de que forma a vejo e proponho.

O tema Memória Institucional é extenso e possui pontos de contato com diferentes temas. Por isso, optei por tratar cada um deles num formato que denominei de "pílulas" e que se distribuirão num decurso de várias postagens. Acho que isso facilitará sua abordagem e imprimirá sentido para os que começam a se debruçar sobre este tema.


Como introdução, diria que a Memória Institucional necessita de um trabalho interdisciplinar e que tem na informação sua principal matéria-prima. Estas informações precisarão ser resgatadas, organizadas para depois poderem ser disponibilizadas. De acordo com isto, é fundamental ser pensada de forma sistêmica. Com a observância de princípios metodológicos oriundos da arquivística, como garantia de que o caráter histórico, probatório ou de patrimônio cultural-documental, seja preservado às gerações futuras e de fato se consolide como uma Identidade Institucional.
Escrito por: Eliana Rezende, Janeiro/2012.

Se você notou, em apenas um parágrafo vários termos técnicos e específicos surgem e necessitam ser melhor desenvolvidos. Daí a opção por "pílulas explicativas" e posteriores em torno dos temas que essa abordagem representa.
Portanto, fique de olho!

A Memória Institucional pode, e deve ser compreendida, como um meio eficaz para a manutenção da informação com vistas à gestão organizacional. É uma ferramenta eficiente para a tomada de decisões estratégicas e colabora para a geração de inovação e produção de conhecimento, ajudando a criar uma identidade para a instituição, seja ela do ramo social, cultural ou empresarial.

Neste sentido, é uma área com contribuição interdisciplinar com vistas ao trânsito informacional e à comunicação no interior das instituições.

A necessidade de abordar este tema se dá porque recentemente muitas empresas começaram a investir em suas memórias institucionais e rapidamente encantaram-se por projetos que, muitas vezes, deixam de ter a visão e a perspectiva adequada.

Num jargão, são "vendidos como perfumaria", sem uma reflexão sobre a importância e o papel destas memórias na constituição da identidade institucional.
Essas empresas são seduzidas, muitas vezes, por produtos muito mais relacionados à imagem de marketing e voltam-se para exposições, livros comemorativos e linhas de tempo. Isso porque não há uma problematização consistente, que relacione a instituição ao seu tempo e ao seu meio social e cultural. O cuidado nesse ponto é fundamental.

Diante disto, que caminho seguir?
Como extrair deste trabalho o melhor?
Como pensar em um Projeto de Memória Institucional?

Todos serão temas que abordarei. 

Uma conversa com vários posts: espero por vocês!

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17 de jan. de 2014

Telhados de Lisboa

Por : Eliana Rezende

Pela janela uma chuva miúda e mansa cai e me remete directo a um saudosismo irresistível. 

Penso em Lisboa e na humidade que cobre encostas e telhados de diferentes cores, nas ruas sinuosas e encharcadas que transformam passos transeuntes em escorregadios e incertos, nas folhas das árvores que balouçam resistindo ao vento que corta e penetra corpos, fazendo sentir-se na pele sua força e seu "toque" invisível. 

Lembro das calçadas em pedra, desenhadas e dispostas como mosaicos enfeitando como passarela ruas, becos e vielas cheias de vida, memória e história. 

Lembro das águas tristes e plácidas de um Tejo em dia de nuvens, quando o céu se desabotoa e as águas de cima encontram as águas de baixo e juntas 
desembocam e encontram o mar. 


Tão bonito! Escrito por:Eliana Rezende - São Paulo, 2003

Lembro das cores de Lisboa: o laranja, o ocre, o pêssego, o amarelo e toda a variação das cores do arco-íris, lindas quando iluminadas pelo astro-rei, mas não menos belas quando são lavadas pelas águas que vem do céu. Se fossem uma tela as cores se transformariam em rascunhos impressionistas das existências contidas no interior de suas fachadas.



Belo quadro!

Lembro dos eléctricos subindo e descendo encostas, se estreitando entre ruelas que avançam sobre casas, ou talvez o seu contrário: casas que avançam sobre ruelas; que em movimentos sobre trilhos descortinam espaços, mostram lugares, passeiam por diferentes vistas e apresentam uma cidade de luzes tímidas e em tons mate... romântica e bela... 

São Paulo/2003



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14 de jan. de 2014

Os Historiadores e suas fontes em tempos de Web 2.0

Por: Eliana Rezende

Em geral, textos que abordam o ofício do historiador pretendem trazer em seu bojo aprofundamento de questões metodológicas ou mesmo de caminhos investigativos.
Devo confessar que não é meu intento!

A proposição aqui é muito mais expor uma inquietação provocativa e lançar aos futuros historiadores questões em relação ao seu trabalho e investigação com as fontes produzidas na contemporaneidade de princípios do século XXI.

É da minha lida com a preservação e conservação de fontes documentais para posterior consulta e produção de pesquisas que suportam investigações e caminhos que este ensaio nasceu.
Tais preocupações com acervos em diferentes instituições impõem a reflexão e aplicação de metodologias e procedimentos que garantam o acesso à informação contida em documentos sob os mais variados suportes para as gerações futuras.

O historiador lida com fontes: pequenos indícios deixados voluntária ou involuntariamente que atravessam épocas, transpõem espaços, vencem intempéries, descasos, o tempo e as muitas formas de deterioração intrínseca e extrínseca de seus suportes. Encontram diferentes usos, e em vários casos funções e pertencimentos que são próprios do fazer-se “prova” ou “testemunho”. Escrito por: Eliana Rezende, 2012

Artífices que tecem intrincados caminhos deixados por fontes prováveis e improváveis, os historiadores transformam-se em porta-vozes de um tempo... de uma trajetória feita por questões e investigações. Conexões são feitas e refeitas, caminhos investigativos desbravados à luz de diferentes métodos e matrizes teóricas. Em muitos casos, o caminho é árduo e construído a partir de hiatos, de não-ditos, de silêncios e omissões. Tece-se a construção de uma trama que circunda um objeto fazendo disso a História, nem certa,
nem errada, apenas por um ângulo ou prisma diverso.

Em todos os casos, tais registros da atividade humana em toda a sua complexidade são fixados em diferentes suportes e por toda a História encontraram suas formas de perenidade para mais adiante sofrerem o trabalho crítico de pesquisa e crivo.

Diante de tal complexidade laboriosa e detalhada que cada fonte solicita e da quantidade de suportes e de registros de que dispomos, oferece-se ao olhar pesquisador ampla gama de produtos que servirão como fonte de pesquisa e matéria-prima para a História.

Coetâneos em sua essência, nossa sociedade vive a construção de um novo paradigma sobre a forma como produz conteúdos e informação.
Tomo de empréstimo o sentido de coetâneo proposto por Duque (2011):
“[...] Coetâneo, aqui, abriga o significado do que é contemporâneo e ao mesmo tempo integrante de contexto de vanguarda social, política, econômica, técnica e científica [...].”

É o uso intensivo de tecnologias de informação e de comunicação que tem diferenciado nossa sociedade de princípios do século XXI e que, sem dúvida, imporá aos profissionais de diferentes áreas de conhecimento e, em especial, para o nosso caso as Ciências Humanas, o desafio de encarar escritas e trilhas que vão muito além do que se supôs até então.

Objetivo oferecer ao leitor alguns questionamentos sobre o universo de atuação profissional das Ciências Humanas em tempos de imediaticidade, produção em massa e, ao mesmo tempo obsolescência e transitoriedade de suportes. Inquietações de ofício partilhadas com pares: da quantidade que suplanta em muitos casos a capacidade de assimilação e registro, que inviabiliza reflexões posteriores de algo que não mais estará ali aguardando por séculos para ser analisado.

Esse é o mundo em tempos de Web 2.0, 3.0 e em vias de transformar-se numa versão 4.0.

A conversa e seus desdobramentos seguem em outros posts, que você pode conferir aqui:

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12 de jan. de 2014

Palavras vincadas

Por: Eliana Rezende

Houve tempos em que a gaveta era o melhor amigo de um escritor. 
Era ali que o texto adormecido esperava seu tempo de maturação, ou até seu tempo de descarte: do não dito e escrito. As palavras assim esperavam adormecidas e quietas, o tempo em que a tinta as materializasse e lhes propiciasse vir à existência.

Palácio de Alhambra - Granada - Espanha
O texto adormecido na gaveta esperava sua sentença que podia vir cedo. Num acesso de fúria e destruição ou num período de limbo expiatório. O melhor mesmo era quando recebia sua emancipação e tornava-se um texto livre à olhos alheios.

Sim, os textos nos tempos de imediaticidade e consumo deixaram de ter essa maturação da escrita pensada e recomposta dia a dia. Literalmente lapidada para, palavra por palavra compor um pensamento inteiro.

O sentido de escrita original gradativamente se perdeu e o que temos é uma que se insere substituindo e anulando a anterior.

Descartes simples e rápidos que não nos dão o sentido de sua plenitude. Oferecem-nos apenas e tão somente o produto do dia, do agora. Uma escrita quase que sem passado, sem rastros ou vestígios. Novos tempos de leitores e de escritas. Não apenas de seus suportes e formas de veiculação.

A gaveta oferecia  o tempo da intimidade. Algo que se cristaliza e pigmenta. A tinta encontrava o papel e se fazia pensamento materializado. Era ideia que se expunha.

A escrita, tanto como a leitura são coisas que se cultivam e aprofundam.
Algo que tece nossas impressões sobre o mundo. Merecem ser pensadas com cuidado, lapidadas com tempo e apreço pela palavra que se diz e por quem a lerá.
O tempo de imediaticidades e buscas de respostas sempre prontas e rápidas tiram os textos dessa quietude que às vezes é tão salutar.
Ao mesmo tempo, e isso por experiência própria, um texto é sempre novo a cada vez que o retocamos e o rigor da gaveta pode inviabilizar um escrito.

São Paulo - SP
Às vezes o ideal é simplesmente deixar a escrita solta e entregá-la à independência para que novas ideias surjam. Nem maiores e nem melhores, apenas oxigenadas pelo novo!
A escrita tem mesmo esse quê de artesanato, de cuidado lapidar.
Considero normal que um texto nunca esteja concluído, o que ocorre é darmos a eles a independência de nossa tutela.
É a emancipação do escrito.