28 de fev. de 2014

O Carnaval como metáfora

Por: Eliana Rezende

Há muitos detalhes que são muito peculiares e que fazem com que uma escola de samba possa ser considerada um sucesso do ponto de vista organizacional.

Quando pensei no argumento para o post imaginei que em geral as pessoas concentram-se naquele discurso "do contra" e em quanto ela desrespeita nosso país....mas há tanto o que aprender dentro de um barracão! Tanto a aprender sobre liderança, comando, objetivos, espírito de equipe, motivação, alegria na realização de um trabalho bem feito.

Ou seja, se tomarmos o Carnaval como uma metáfora do mundo corporativo muito poderemos aprender e assimilar. Ali estão engrenagens de sucesso que fazem alegorias imensas andar!

Para além de tudo, o Carnaval é uma expressão máxima de riqueza cultural, histórica e de patrimônio nacional. Revela conhecimentos artísticos e de conteúdo, com refinadas pitadas de teor crítico da sociedade que nos rodeia, por meio dos códigos visuais e audiovisuais associados a todo o conjunto verbal e não verbal de um desfile. Diante de tanta riqueza, é impossível abranger tudo num único post. Mas tentei algumas vias e possibilidades.

Por isso, o exercício de escrita aqui foi tentar escrever como se fosse um desfile. Há até refrão! Fiz os blocos para que passassem pouco a pouco e cada um pudesse apreciar cada item, como o fazem a Comissão Julgadora.

A trilha sonora foi só para manter um clima descontraído. Experimente.

Vamos iniciar nossa evolução?

É interessante pensarmos sobre os termos de avaliação, a competição e profissionalismo envolvidos. O espírito de equipe presente em cada momento e como cada parte integra o conjunto. Esse sentido de ser parte e ter prazer nisso é muito revelador.

Vê-se que talvez a fórmula seja mais simples do que parece: basta pôr o coração que toda a motivação vem.

Observar o trabalho dentro de um barracão de uma escola de samba é uma verdadeira fonte de aprendizado de como funciona uma equipe bem liderada, motivada, criativa com objetivos comuns e inspiradores. E tudo para explodir na avenida por poucos minutos o resultado de um ano inteiro de trabalho.

E aqui um pequeno à parte: um ano inteiro de trabalho que é, em sua maioria, feito sem qualquer remuneração. O que vai de encontro a uma de minhas teorias: de que não é a remuneração financeira que move as pessoas. Se há um forte ideal a pessoas são capazes de se entregar sem as cifras (ao menos por um tempo rs,rs,rs).

E tem mais: estas pessoas doam um bem muito precioso: seu Tempo! Usam horas que poderiam ser de lazer e descanso para dedicar-se ao projeto de todos. Sem amuos, reclamações, queixas.

Para além de tudo: conversa-se todo o tempo! A opinião de cada um é ouvida, ao mesmo tempo em que se respeita a condução do tema de enredo proposto. Tudo girará para a melhor forma de sua execução. Cada um trabalhando no que lhe compete para que o resultado final apareça.

QUESITO ENREDO (ENR)
Enredo é a criação artística de um tema ou conceito.

Um dia um professor vendo-me indecisa sobre para o que prestar no vestibular disse-me: "pense no que mais goste, com certeza você será uma boa profissional e para bons profissionais há sempre lugar!".

Quando você escolhe a carreira que quer para si está buscando o enredo profissional de sua existência. Pode ser um sucesso fenomenal. Poderá fazer com que todos que o vejam passar aplaudam e se sintam motivados, orgulhosos, felizes de fazer parte.

Mas se a escolha não for um bom enredo para sua vida e suas habilidades, todo investimento poderá resultar em uma pífia apresentação. Poderá não empolgar nem mesmo a você! Como nas escolas, poderá conhecer o rebaixamento de posições. Desprestígio.

Leve à sério este enredo. Terá seu tempo de evolução e depois sairá de cena. Tudo a seu tempo e hora. Mas o enredo é que dará a alma, alegria e sucesso para todo o percurso. Todo o seu tempo de avenida.

Num barracão esta construção é coletiva. Aprender a construir à muitas mãos é um desafio e tanto. Perceba como isso é feito de forma tão bem sucedida neste conjunto. Quantas empresas sonham com um trabalho em equipe feito assim!

QUESITO SAMBA-ENREDO (SE)
No quesito samba-enredo, o julgador irá avaliar a letra e a melodia do samba-enredo apresentado, respeitando-se a licença poética

Acho que fica a principal ideia: a realidade pode determinar o nosso ponto de partida, mas não diz aonde iremos chegar. Referido como num enredo o tema do carnaval como metáfora faz sentido exatamente porque há um trabalho que é coletivo, mas em nome de uma agremiação. Pessoas dedicam anos de sua vida, seu tempo, energia e em muitos casos, sua criatividade para criar um sonho de uma noite e dentro dessa noite apenas uma hora e meia.

Todos os objetivos, empreendimentos, recursos, forças e expectativas voltam-se todos para aquele dia, ainda que represente trabalho duro de um ano inteiro. Trabalho feito de pequenos detalhes que somados ao conjunto dão a grandiosidade de um desfile.

Tal apresentação e dias de festa são chamados por muitos de mecanismo de fuga criados pelo homem. São muitos e diversos e existem desde que o mundo é mundo. Mas não é só o Carnaval que detém este atributo. Não é de sua exclusividade, já que é assim também na política, na religião, família, dinheiro, poder, na ciência e até com o trabalho. I homem sempre encontra um local para depositar suas fugas ou temores.

QUESITO ALEGORIAS E ADEREÇOS (A&A)
Neste quesito, estão em julgamento as alegorias (entendendo-se, como tal, qualquer elemento cenográfico que esteja sobre rodas) e os adereços (entendendo-se, como tal, qualquer elemento cenográfico que não esteja sobre rodas)

Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Fevereiro de 2014
Se existem fugas, cada "tribo" escolhe aquela que merece sua dedicação e boa parcela de sua alienação. O olhar externo segue sempre sendo capaz de conseguir enxergar os mecanismos de fuga e alienação do outro, mas em geral os que estão dentro não o enxergam assim, e nem por isso são inverídicos.


De nossas cátedras e livros muitas vezes "lemos" a sociedade sob uma ótica subjetiva e em alguns casos pejorativa. Não por maledicência mas, simplesmente, por estarmos sob outra ótica. 

QUESITO FANTASIAS (FAN)
Neste quesito, estão em julgamento as fantasias apresentadas pela escola de samba, com exceção das que estiverem sobre as alegorias, as fantasias do casal de mestre-sala e porta-bandeira e a fantasia da comissão de frente. 
 Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Fevereiro/2014


A auto representação humana encontra muitos canais e o carnaval, tal como as redes sociais, as religiões, as convenções sociais e de parentesco, a política, as corporações colocam a necessidade de uso de recursos semelhantes à máscaras e outros artifícios. Nem certo, nem errado, apenas diferentes para necessidades e pontos de partida igualmente diferentes.

Retiradas de seu enredo são deixadas de lado e seguem sendo apenas uma visão, uma construção.
Até porque culturalmente o Carnaval encontra um vinco maior na sociedade brasileira, tomo como liberdade de repetir como refrão: vê-se que talvez a fórmula seja mais simples do que parece: basta por o coração que toda a motivação vem. Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Fevereiro de 2014

Há uma qualidade pouco desenvolvida por lideranças em meios corporativos. Em muitos casos confundida com um receio de perda de autoridade; a empatia. Esta palavra mágica, que usada em todos os segmentos de nossa vida, propicia a capacidade de saber exatamente como imprimir ao que está ao nosso lado a medida certa de incentivo, força e reconhecimento. 


Uma regra áurea que é saber se colocar no lugar do outro, não fazendo ou dizendo nada que você próprio não gostaria de ouvir, ver ou sentir. Infelizmente, acho que temos aqui mais um elemento para metáfora em relação ao Carnaval e infelizmente essa tem que ver com o que representa uma multidão dominada apenas pela paixão. Refiro-me aos episódios envolvendo a apuração dos desfiles de escola de samba, que em alguns casos resultam em violência, lembro aqui episódios acontecidos no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Se no primeiro caso, o amor movimenta e gera belezas plásticas e de manifestação cultural para o segundo caso ela representa apenas um movimento cego, sem limites e depredante. O ser humano é capaz dos maiores e melhores gestos, mas também dos piores e mais desordenados: aqui não é um grupo rumo a um bem comum, mas uma massa descontrolada, desordenada alimentada apenas pela irracionalidade passional.

Algumas empresas buscam dar satisfação aos seus funcionários em especial quando estes necessitam de espaços para exercer sua criatividade. O DNA das instituições acaba definindo perfil de funcionários por vocações e estímulos diferenciados.

QUESITO HARMONIA (HAR)
Harmonia é o entrosamento entre o ritmo e o canto



Imagino que os maiores e melhores acertos viriam de uma escolha bem feita entre o seu perfil e a empresa em que vai trabalhar. Se esta escolha não for adequada o suplício será mútuo: de um lado um funcionário desmotivado querendo apenas um salário no fim do mês, e do outro uma empresa que não consegue ir além de uma folha de pagamento e um balanço no final do mês.

O mesmo ocorre com as escolas: se houver a dicotomia entre "o que ensina" e "o que aprende" o que ocorrerá será a saturação de um formato com pouquíssimos resultados. Todos são agentes de um mesmo processo!

Tanto a aprender sobre o trabalho coletivo dentro de uma escola de samba!

QUESITO EVOLUÇÃO (EV)
Evolução é a progressão da dança de acordo com o ritmo do samba que está sendo executado e com a cadência da bateria. 
 Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Fevereiro/2014


Há dois lados.
Em empresas e instituições, acho que há uma forma de sensibilidade e que deve ir além de gráficos, números, estratégias e índices de performance: há a lida com o humano e todas as suas nuances.  Há uma qualidade muito pouco desenvolvida por lideranças em meios corporativos. Em muitos casos confundidos com um receio de perda de autoridade, que é o uso da empatia. Esta palavra mágica, que usada em todos os segmentos de nossa vida, propicia a capacidade de saber exatamente como imprimir ao que está ao nosso lado a medida certa de incentivo, força ou reconhecimento.

A empatia é uma qualidade fundamental a todos os que anseiam ter ao lado pessoas motivadas, já que nada será dito ou feito que atinja o outro de uma forma menor ou contraproducente.  Uma regra áurea que é o saber se colocar no lugar do outro, não fazendo ou dizendo nada que você próprio não gostaria de ouvir, ver ou sentir.


De outro lado, imagino que os maiores e melhores acertos viriam de uma escolha bem feita entre o seu perfil e a instituição em que vai trabalhar. Se esta escolha não for adequada o suplício será mútuo: de um lado um funcionário desmotivado querendo apenas um salário no fim do mês, e do outro uma empresa que não consegue ir além de uma folha de pagamento e um balanço no final do mês.

QUESITO BATERIA
O julgador deverá considerar a manutenção regular e a sustentação da cadência da bateria em consonância com o samba-enredo, a perfeita conjugação dos sons emitidos pelos vários instrumentos e a criatividade e a versatilidade da bateria

Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Fevereiro de 2014
O mesmo ocorre em instituições públicas: se as escolhas por parte dos que são servidores não for bem feita o que ocorrerá será a saturação de um formato com pouquíssimos resultados. Todos são agentes de um mesmo processo! Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Fevereiro/2014

Creio em motivação externa, mas muito na interna: o que deve nos mover em direção da satisfação é exatamente o que nos motiva. Alguns por insegurança escolhem a segurança de um emprego público, mas esquecessem-se que terão que lidar todos os dias com a sua escolha. A ponto de um dia isso virar um grande fardo.

Por isso, todo o final gira em torno de um princípio de escolha.
Acho sempre que se você escolhe o que te dá prazer, nunca terá um dia que terá que trabalhar... terás encontrado apenas alguém que te pague para fazer o que gostas. Não é uma boa troca?

QUESITO CONJUNTO (CNJ)
Conjunto é o “todo” do desfile, ou seja, a forma geral e integrada como a escola de samba se apresenta


Sugestão de trilha sonora para a leitura:



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Fique sabendo:
Originário da festa popular portuguesa chamada entrudo, o Carnaval entrou no Brasil por volta do século  XVII nos moldes do que corria na Europa. Foi apenas a partir de meados do século XIX  que começam a surgir os primeiros blocos de Carnaval no Brasil. Eram os chamados corsos, e que começaram a ganhar maior visibilidade a partir do século XX. Eram com os carros decorados, as pessoas fantasiadas que os corsos ganhavam as ruas. Era uma antiga menção aos carros navais da Grécia antiga. E foram o precursores do que hoje conhecemos como os carros alegóricos.

A popularidade do carnaval levou-o cada vez mais para rua e com isso ganhou uma característica popular em especial nas regiões do nordeste, diferente do que ocorreu no Rio de Janeiro, que ganhou muito mais uma característica de espetáculo. A primeira escola que se tem registro foi a que surgiu no bairro Estácio em 1928, a Deixa Falar.

Os quesitos de avaliação de um desfile são 10, e são assim definidos: 

QUESITO BATERIA (BAT)
O julgador deverá considerar a manutenção regular e a sustentação da cadência da bateria em consonância com o samba-enredo, a perfeita conjugação dos sons emitidos pelos vários instrumentos e a criatividade e a versatilidade da bateria

QUESITO SAMBA-ENREDO (SE)
No quesito samba-enredo, o julgador irá avaliar a letra e a melodia do samba-enredo apresentado, respeitando-se a licença poética

QUESITO HARMONIA (HAR)
Harmonia é o entrosamento entre o ritmo e o canto

QUESITO EVOLUÇÃO (EV)
Evolução é a progressão da dança de acordo com o ritmo do samba que está sendo executado e com a cadência da bateria.

QUESITO ENREDO (ENR)
Enredo é a criação artística de um tema ou conceito.

QUESITO CONJUNTO (CNJ)
Conjunto é o “todo” do desfile, ou seja, a forma geral e integrada como a escola de samba se apresenta

QUESITO ALEGORIAS E ADEREÇOS (A&A)
Neste quesito, estão em julgamento as alegorias (entendendo-se, como tal, qualquer elemento cenográfico que esteja sobre rodas) e os adereços (entendendo-se, como tal, qualquer elemento cenográfico que não esteja sobre rodas)

QUESITO FANTASIAS (FAN)
Neste quesito, estão em julgamento as fantasias apresentadas pela escola de samba, com exceção das que estiverem sobre as alegorias, as fantasias do casal de mestre-sala e porta-bandeira e a fantasia da comissão de frente. Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Fevereiro de 2014

A escola campeã é definida pela que tiver o maior valor total, dada a soma de todas as 40 notas recebidas pela escola de samba

Um caminho alternativo de avaliação:
Método lexicográfico
Os critérios adotados para uma análise lexicográfica divide os quesitos em 4 grupos: critérios gerais, critérios visuais, critérios sonoros e critérios específicos. Esse tipo de análise é feita exatamente por se ter claro que os quesitos tem diferenças em sua importância. Há uma assimetria entre os mesmos e que um método lexicográfico toma em conta.

Perceba:
Os critérios gerais são aqueles nos quais a escola de samba é avaliada em todo o seu contexto.
Os critérios visuais são aqueles nos quais a estética, em suas mais variadas formas, é avaliada.
Os critérios sonoros são aqueles nos quais são avaliadas todas as questões relativas à sonoridade da escola. Por fim, os critérios específicos são aqueles que avaliam elementos pontuais no desfile da escola de samba

Separados dessa forma são reagrupados e formam a seguinte configuração:
Gerais: Conjunto, evolução, enredo
Visuais: Alegorias & Adereços, Fantasia
Sonoros: Harmonia, Samba-enredo, Bateria
Específicos: Comissão de Frente, Mestre sala e Porta Bandeira

Bibliografia:
Jesus, Igor Rosa Dias de; Lima, Amurá da Silva;  Oliveira, Ariane Barbosa. "Análise do desfiles de Carnaval do Rio de Janeiro sob a ótica do método do multicritério lexicográfico". ENGEVISTA. , V. 14, n. 1. p. 87-98, abril 2012.
Disponível em: 

25 de fev. de 2014

Chá Preto

Por: Eliana Rezende

Os amores e os afectos são como as bebidas quentes.

Estas, devem ser deglutidas delicada e vagarosamente... sempre quentes, em chávenas igualmente delicadas, finas, brancas, de porcelana ou quem sabe, nas que são espessas,  coloridas, de bordas grossas e encorpadas.

São excelentes nos dias frios porque aquecem todo o corpo. Dão a sensação de bem-estar, conforto, calor e “preenchem” sem pesar. Alimentam e em muitos casos revigoram e acalmam corpos cansados.

Oferecem aroma aos sentidos e sabor ao paladar. E ainda há mais: com diferentes tons oferecem cores aos olhos e enchem-lhe de matizes cinzentas, rosadas, douradas, verdes e 
prateadas. Tons do belo outono que preenchem de forma líquida espaços delicados.

Se tomadas próximo ao fogo parecem tornar-se próprias à reflexão e contemplação: levam nossos olhos, janelas da nossa alma, para a percepção das chamas que ardem, que crepitam no calor e nos fazem pensar no poder transformador de uma chama. Seja física (o fogo em si), seja emocional, como é o amor.
Escrito por Eliana Rezende - Lisboa, outubro de 2000
As bebidas quentes, quando chegam à hora e na medida certa revigoram e abastecem. Fazem pelo corpo o que o amor faz pela alma.
Mas como no amor, estas bebidas têm seu tempo de “calor”. Não merecem arrefecer em uma chávena pousada sobre uma mesa ou ao lado de uma fogueira.




A bebida se esquecida esfria, a fogueira se apaga e todo o “conforto” propiciado por ambos se perde.
Os elementos estão todos ali, não deixaram de lá estar, todavia perderam seu “momento” adequado.


Assim, bebamos ao amor ao seu tempo e aqueçamos nossos corpos!




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22 de fev. de 2014

Qual o perfil do Gestor de Conhecimento?

Por: Eliana Rezende

Gosto sempre de incentivar as pessoas interdisciplinarmente. Não creio num mundo compartimentado, creio num mundo que integre vários modos de pensar!

É este novo mundo que se descortina para nós. Buscar conexões possíveis entre áreas e manter o espírito aberto para dialogar é o que nos deve manter.

Sempre digo que nesta seara falo não como uma especialista, mas antes de tudo, como uma observadora.
Eu própria tenho minhas reservas até mesmo em relação ao termo "Gestão do Conhecimento", e acho que prefiro a expressão “Gestão em Conhecimento”. Mas abstraindo-me de tudo isso lancei a discussão por crer que toca a todos sem distinção, direta ou perpendicularmente.

Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Fevereiro/2014
Sou uma humanista. Apenas e tão somente... por isto, tantos temas e inquietações. A possibilidade de aprender com outros e dividir prismas é o meu objetivo. E num tema como este não poderia ter outro olhar.

Percebo como necessária esta forma de ver e conceber empresas que estão aprendendo a gerir seu capital intelectual. Isso é bastante significativo quando pensamos que cada vez mais lidamos com massas de informações que podem ou não gerar conhecimento e inovação e que em boa parte dos casos podem estar retidas também em formas de experiências profissionais de cada um.

Gosto sempre de frisar isso, pois na minha concepção o Conhecimento não é algo que preexiste em algum lugar e simplesmente o tomamos. Considero-o como o produto de uma ação consciente em transformar informação em algo mais. É uma ação consciente que parte de um individuo e de seu repertório. Repertório esse alimentado por toda a gama de experiências que possa ter.

Tomando-se esta perspectiva não acredito que atores extrínsecos ao indivíduo possam gerir aquilo que é de sua absoluta competência. Por isso, não gosto da expressão Gestão de Conhecimento. Podemos sim ter agentes facilitadores para que esse Conhecimento circule e gere novas possibilidades de criação e inovação.  

Aproveito como forma de enriquecer ainda mais o debate, uma sugestão do Professor Aldo Albuquerque.
Em suas palavras:
"Como podemos definir "conhecimento" em uma sociedade pós-industrial equipado com novas mídias, tecnologias de comunicação instantânea e acesso universal à informação? Quem controla a sua transmissão? Como pode o conhecimento ser legitimado? Estas são as perguntas de Lyotard em seu livro "A condição pós-moderna". Ele acredita que o método de legitimação tradicionalmente utilizado pela ciência, um discurso que faz referência a uma metanarrativa torna-se obsoleto em uma sociedade pós-moderna.
Em vez disso, ele explora as comunidades de significado como o novo caminho para esta legitimação".
Ver http://bit.ly/w8lYsI

De um outro lado, o professor Jones da University of Washington, USA que alega que a definição desse profissional é uma tarefa difícil. Ele indica isso fortemente em um artigo recente (e que você pode ler a seguir), de nome: "Nenhum conhecimento existe sem uma informação" [No knowledge but through information] by William Jones. First Monday, Volume 15, Number 9 – 6 September 2010 http://firstmonday.org/ojs/index.php/fm/article/view/3062/2600
Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Fevereiro/2014

Daí a importância não apenas de produzir informações, mas essencialmente de distribuir criativamente o que se tem e manter uma inquietação necessária aos constantes acréscimos.

Questões sobre como oferecer o ambiente propicio para que tal ciclo virtuoso ocorra é um dos desafios das instituições. Não basta ter planos, estratégias, metas bem traçadas e delineadas, índices de performance (KPI)  se no seu corpo faltarem profissionais com tal espírito compartilhador e interdisciplinar. Sob esta ótica, é preciso não de “tarefeiros”, meros executores, cumpridores de metas e afins, mas antes de tudo são necessárias pessoas com a capacidade de engendrar e compartilhar... com espírito colaborativo  e motivador  da criatividade e Inteligência própria e alheias.

Não creio em receitas prontas, e muito menos daquelas que seguem em listas com os 10 pontos...os 6 ou os 5 pontos... Isso não existe! Acho que o primeiro passo efetivo a ser dado é reconhecer que as receitas não servem à pessoas! São eficientes na culinária! E dependendo de quem as faz ainda pode dar errado só com perdas de ingredientes. A metáfora aqui é excelente: já que uma empresa pode ter ali todos os ingredientes que resultarão em algo muito bom, mas se o profissional responsável em conduzir o processo não tenha esse cabedal, tudo se perde.  A Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Fevereiro/2014
Acredito sim, que pessoas com o perfil citado acima e que tenham um bom repertório intelectual, metodológico, amplamente experienciado em suas vivências profissionais garantirá maiores chances de êxito, apenas e tão somente isso.


Imponderáveis poderão ocorrer quando o mesmo indivíduo estiver submetido à diferentes grupos de indivíduos e/ou instituições. O mesmo profissional terá resultados diversos de acordo com o ambiente e a cultura organizacional em que estiver inserido.

Creio sim em lapidação! E essa precisa e deve ser feita. Reside aqui uma característica importantíssima: o candidato a Gestor de Conhecimento deve ter antes de tudo essa humildade de entender que sempre estará aprendendo e assimilando coisas. Nunca poderá ter a atitude presunçosa de achar que sabe o suficiente.

De novo insisto que a questão da interdisciplinariedade me seduz e não consigo pensar em trabalho que não seja assim, em especial quando envolve um grupo. Gosto dos grupos e das possibilidades advindas por múltiplos olhares. Em minha experiência vejo a necessidade de muita flexibilidade, é um esforço pessoal, mas sinto-me recompensada. Preciso lidar com pessoas de diferentes áreas e formações para que juntos possamos construir na instituição as normas, procedimentos e ações em torno da Gestão da Informação. 

No desempenho desta atividade, noto que o grande hiato entre diferentes áreas é a segmentação e, destarte, a dificuldade de interlocução. As pessoas costumam estar sempre muito voltadas para o seu "centro" e desperdiçam oportunidades de ver o que está ao seu redor.

Creio que neste ponto a metáfora que se adéqua é a do fazedor de pontes... Não devem haver muros e divisões e acho salutar que as fronteiras sejam movediças e todos troquem suas fontes e aprendam com a flexibilidade. Essa é uma característica muito importante a ser desenvolvida.


Dito isso e retomando nossa questão inicial de: qual é o perfil teria desse profissional Gestor de Conhecimento, segundo a minha perspectiva?
Vejamos: 

Tal profissional deve se capaz de aceitar respostas diferentes para as mesmas perguntas.
Dever ser do tipo que não descarta a priori como erradas respostas que apenas sejam diferentes das suas. Em muitos casos não há certo ou errado: há apenas o diferente!

Deve saber liderar equipes trans e multidisciplinares, ter sempre uma atitude de facilitador para que trocas e aprendizagens se façam. Deve ter uma atuação de empatia e acesso ao outro: só assim o valor de subsidiar esclarecimento de dúvidas, estímulo à interação e o compartilhamento se efetivarão.

Precisa ser um profissional com livre trânsito e acesso à Geração Y e conhecer de perto a matéria-prima e DNA de que sua instituição é feita. É preciso ser alguém que não apenas conheça, mas que faça circular atributos da cultura organizacional: valorizando-a e aprimorando-a tanto quanto possível a partir da experiência de todos.

Dever ter espírito curioso e interessado: ser humilde e reconhecer que aprende sempre e todos os dias. E mais do que isso: ser generoso em partilhar e distribuir o que sabe!

Deve ter profundo interesse pelo aprimoramento e aprendizagem não apenas de si próprio, mas de todos os que lhe cercam tirando de cada oportunidade e pessoa o seu melhor.

De todos essas características, ser bom ouvinte é dos exercícios o que o Gestor de Conhecimento deve procurar melhor desenvolver. Dar-lhe-á o sentido do respeito à experiência do outro.

Por trabalhar com Projetos de Memória Institucional é usual recorrermos à metodologia de coleta de depoimentos e isso nos dá sensibilidade e proximidade com a construção de outros saberes e outras perspectivas que informam o presente e engendram outros caminhos e possibilidades.

Mas isso é assunto para um post inteiro...

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18 de fev. de 2014

Magia encadernada

Por: Eliana Rezende

Você imagina o que acontece quando todas as luzes se apagam e a noite cai dentro de uma livraria? O diretor de arte Sean Ohlenkamp tentou descobrir: passou quatro noites em claro  na livraria Type, localizada em Toronto. Quer saber o que descobriu?
Grandes e inusitadas movimentações!

Assim, brincando com as posições dos objetos, suas formas, cores, texturas surgiu o stop-motion The Joy of Book.  Uma animação onde o espaço enche-se de magia e diversão.
Assista o vídeo (que acabou se transformando em viral) que povoa a mente e a imaginação de muita gente. Chegou sua vez!


Todo esse incentivo para que a animação fosse vista foi apenas um pretexto para falar sobre nossa relação com livros, livrarias, bibliotecas e afins. A ideia foi estimular os sentidos: às vezes é tão simples!

Se pensarmos, uma livraria tem essa vida quando a noite cai. São sob as luzes da noite que inventários se fazem, que livros são dispostos em prateleiras e em mesas de divulgação... a noite é que "alimenta" a circulação de obras e de autores para que cheguem às mãos de seus "apreciadores" finais. É o mercado das letras!

Desse universo meio mágico e cheio de movimentos e ações que tintas impressas, compostas e encadernadas em diferentes formatos fazem um longo caminho até chegar as mãos daqueles que o apreciarão.


Ao encontrar as mãos desse leitor nova mágica se dá.
A relação com os livros é mesmo uma experiência sensível e por isso fala-nos tanto aos sentidos e o tato talvez seja o maior deles.
O formato físico propicia desfrutá-lo em qualquer parte e isso é mesmo uma delícia.
Como lembro de ter dito algures sobre o sentido da escrita sobre papel: ler é uma experiência de afetos e que em alguns casos transcende os suportes!

Eu mesma tenho minha preferência pelos livros em papel por conta do deslizar de dedos  sobre suas páginas, sentir sua textura, ouvir seu som estalido de páginas de acordo com a gramatura de cada uma, sentir o cheiro que parte de cada uma delas...poder grifá-las, pô-las em relevo e destaque: ADORO! Gosto de questionar o autor, fazer perguntas, sinalizar a leitura. Todas as leituras ficam assim com meu rastro e os que não o possuem é simplesmente porque não foram lidos com a atenção e carinho de outros! Foram leituras em diagonal, apenas para atender uma demanda, um chamado. Nunca para atender um apelo do espírito. Esses últimos possuem a deferência e o apreço de todos os meus sentidos.

Apesar desse encantamento pelo formato físico e essa relação de afetos com os mesmos, leio também em suportes digitais. Indo mais longe nesse sentido de apropriar-me: chego a salvar aqueles escritos que temo serem tragados pela malha virtual, ou quebrados em um link que os destinem a um limbo de esquecimento e desaparecimento.


Sou a leitora ávida de sempre, sem preconceitos quanto ao suporte! A leitura, nesse contexto propicia deslocamentos de mentes e almas.
Tome o caso de comunidades, que muitas vezes, desprovidas de outros meios de viagem quer dos corpos quer das mentes descobrem o fascínio da leitura e o quanto podem ser companheiras de existência. Talvez diferente do que ocorre em grandes centros urbanos onde os estímulos e a pirotecnia visual distraem os sentidos e estimulam apenas a desatenção e o "quicar" daqui para lá.

A livraria e seus afins são magia exatamente pela vida que se guarda para além dos livros e que envolve todo o meio onde se encontra. O caminho do livro é rico e passa por tantas paisagens desde a sua concepção criativa até sua materialização e circulação social e cultural. É mesmo fascinante!
E acho que o vídeo dá-nos essa dimensão.

É magia encadernada!

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14 de fev. de 2014

Criatividade e escola: caminhos incompatíveis?!

Por: Eliana Rezende

É interessante pensar que criatividade e escola pareçam estar em lados opostos, em caminhos que não se conectam.

Enquanto nas escolas há um programa, horários, um modo às vezes rígido de avaliações, notas e desempenhos, currículos, a criatividade deve ser livre, libertária, sem regras rígidas onde o criador é muito mais movido por seu espírito inquieto, inquiridor, curioso e absolutamente livre. Sem horários, deveres e obrigações os resultados são realizações para gerar satisfação, superação.


Na Escola espera-se que o professor seja o guia, aquele que orienta. Na criatividade é o universo invisível da mente e do espírito criativo que encaminham as grandes criações. Em geral as escolas pensam como em uma linha de produção em série, enquanto na criatividade ser ímpar e único seja uma condição de maiores possibilidades de genialidades.

Haja visto até a disposição das salas e de carteiras! Ou até os uniformes. Um mundo de hierarquias e uniformização... tornar homogêneo acaba sempre sendo a meta. Individualidades tanto abaixo como acima da média são desconsideradas em nome de padrões.
E cá entre nós sabemos que o mundo não é homogêneo, tanto quanto as ideias e as pessoas. Começar daí é uma grande falácia.

É de flexibilidades mentais e exercício livre da mente que a criatividade precisa. E a escola, como entra nessa estória?
Qual é a mediação possível?

É difícil pensar e falar a respeito das individualidades quando tudo a nossa volta parece ser pensado como um produto de massa. Isso vale para a educação, comunicação, entretenimento e várias outras formas ditas de cultura e lazer.


 Vejo que a grande "restrição" não está nos aspectos intrínsecos, mas tem a ver absolutamente com o confronto com o outro, e a forma como o respeito à individualidade e criatividade alheia, esbarra em nossas próprias concepções e visões de mundo. Confrontar-se com esse outro exige flexibilidade, adaptabilidade e principalmente modéstia: já que do outro lado haverá muito provavelmente muito questionamento e aprendizado. O pedestal que o ensino colocou por séculos, de um lado a quem ensina e de outro quem aprende, talvez seja o maior limite a ser vencido.


De outro lado, e isso para alguns é um elemento que causa temor é a necessidade de estar livre de amarras para aceitar, somar e compartilhar o que de novo vir e em todas as direções possíveis. Isso significa um estofo de maturidade cultural, intelectual e até emocional por parte do docente e que em muitos casos é o que falta. Perceber o tempo do outro e ir ao seu encontro para ampliar o horizonte de todos é o grande desafio. Quantos estão dispostos e preparados para isso? Afinal, nada estará pronto para ser embalado e disseminado. Todos os dias ter-se-á que criar condições para que o novo frutifique.

Como forma de enriquecer ainda mais esta discussão e mostrar como medidas simples podem encurtar este caminho entre criatividade e escola, te convido a assistir a entrevista de Luli Radfahrer, professor-doutor em Comunicação Digital da ECA/USP, sobre o novo papel da escola e os caminhos que podem ser adotados para atualizar o sistema de ensino à nova realidade




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11 de fev. de 2014

KODAK: uma história de derrocada ou de longevidade?

Por: Eliana Rezende

Era 19 de Janeiro de 2012.
A então centenária companhia fotográfica Eastman Kodak, de 135 anos de existência, por meio de um comunicado oficial anunciava:
"A companhia e suas subsidiárias nos EUA entram com pedido voluntário de 'proteção' ao Capítulo 11 da Lei de Falências dos Estados Unidos".
Pioneira dos processos fotográficos a Kodak que tinha sede em Rochester (Nova York) entrava com pedido de concordata.

“Você aperta o botão e nós fazemos o resto.” Esse era o slogan daquela que foi a mais importante fábrica de câmeras e filmes do mundo até seu pedido de concordata.
A Kodak, criada por George Eastman em 1888, foi a primeira a apostar na popularização da fotografia por meio de um modelo de câmara portátil. 


Diante de tal acontecimento, a pergunta por todo o mundo e em todos os meios empresariais era:
Faltou à KODAK visão de futuro?

A pergunta era e é tão instigadora!
Explico: 
Como uma historiadora, especialista em preservação e conservação de fotografias do século XIX  e XX, não podia deixar de pensar em como uma empresa com uma longevidade imensa podia ser acusada de falta de visão de futuro.

Não poderia pensar em falta de visão para uma empresa que por mais de 100 anos mudou completamente a forma de registrar as imagens do mundo.
Uma empresa que por meio de sua simplificação tecnológica retirou dos ateliês fotográficos a tão sonhada possibilidade de retratar-se: de se expor e por meio de uma pose registrar uma imagem de si para a posteridade...que com um slogan tão simples como: "você aperta um botão e nós fazemos o resto", mudou comportamentos, atitudes e representações.
Influenciou hábitos, culturas e transformou a publicidade, o jornalismo, as artes impressas - para ficar só em alguns exemplos - numa outra coisa totalmente diversa de tudo o que já havia existido até então.

Até a opção da escolha do nome teve essa preocupação: um som que soasse igual em todo o mundo... daí a palavra Kodak.


Com imagens que eram fixadas em emulsões em gelatina ou com clara de ovos em placas de vidro desde sua invenção (1839) a fotografia passou à rolos de filme com a invenção da KODAK, onde podiam se trocados e revelados transformados em objetos que materializavam imagens de momentos. Era sem dúvida, uma empresa com grande capacidade empreendedora aliada ao domínio de diferentes técnicas.

Em termos estratégicos do século XIX eles atenderam, em muito, os aspectos que tomavam em conta inovações e o perfil da sociedade que estava à sua volta. Souberam imprimir por meio de um dispositivo novas concepções e formas de relações sociais, culturais, comerciais.


A partir dos anos 1920, a KODAK passa a ter ampla publicidade nas revistas ilustradas mostrando as vantagens de uma máquina portátil, além de oferecer sugestões de situações cotidianas em que se podia utilizar a fotografia.

As pessoas eram incentivadas desde crianças a manipular as câmaras para delas obter as imagens de lembranças agradáveis. Os registros fotográficos eram trabalhados nas revistas ilustradas como sendo o meio para favorecer ou alimentar determinados valores: o lazer desfrutado em família, o carinho dos pais pelos filhos ou o registro de horas agradáveis ao lado de amigos e familiares.


Às vezes grandes passos passam desapercebidos no seu tempo: não encontraram terreno fértil para se desenvolver. Em outro tempo e sob outras condições tornam-se amplamente fecundos.
As artes, a literatura, a técnica, a medicina... entre outras áreas de saber que o digam!
Em um momento da história social e cultural, a Kodak representou o que havia de mais inovador e ambicioso.
Revolucionou padrões e criou um novo paradigma para a sociedade.

Vejo as organizações como seres que se constituem e dialogam com seu tempo. Mas como tudo tem seu momento de ápice e derrocada. Infelizmente uma empresa desse porte e com uma história tão consistente tenha se perdido exatamente no caminho que ela própria trilhou por mais de 100 anos e com muito sucesso,: sem medos de inovar e de romper com antigas formas.

Ela não se sustentava sobre o nada, e inúmeras vezes mostrou capacidade de ler e atuar no mundo e na sociedade em que estava. Tinha como principal tradição o componente criativo e empreendedor. Era o seu DNA!

Alguns argumentarão que,só para resumir,estavam os tais prováveis erros capitais e como a empresa tentava solucioná-los. A listas enumerando os erros da empresa cresciam, bem como os debates sobre o mesmo. Dentre eles, escolho as palavras de Mércia Neves. Além dela, vc pode também ler outros com perspectivas semelhantes e que cito como as mais constantes:

1 - Ignorar as mudanças do mercado 
Desde o início dos anos 90, o fim do filme fotográfico era visto como questão de tempo. A Kodak tentou negar essa realidade de todas as formas e manteve seu modelo de negócios inalterado. O que foi feito - Nos últimos cinco anos, a Kodak vem tentando reduzir sua dependência dos produtos de fotografia tradicional, um negócio que, apesar de decadente,ainda é o mais lucrativo da empresa
2. - Hesitar ao adotar novas tecnologias
A primeira câmera digital foi desenvolvida pela Kodak em 1976. A empresa, no entanto, levou 25 anos para levar esse negócio a sério, quando o mercado já estava tomado pelos concorrente. O que foi feito: A empresa deu uma forte guinada em direção às câmeras digitais e se tornou líder nos Estados Unidos em 2003. Hoje, esse é um negócio pouco promissor em razão das margens reduzidas
3. - Desprezar a inovação
A Kodak sempre foi pródiga nos gastos com pesquisas, o que resultou em uma vasta base de patentes. No entanto, a maioria das inovações ficava na gaveta ou era licenciada a terceiros. O que foi feito- Antigas inovações da empresa, como as telas de OLED e sistemas de impressão com jato de tinta, foram recuperadas, atualizadas e aplicadas no desenvolvimento de novos  produtos
4. - Manter uma estrutura fossilizada
Uma das heranças negativas do fundador George Eastman foi uma cultura corporativa hierarquizada e lenta na tomada de decisões. Isso atrasou dramaticamente as mudanças na empresa. O que foi feito - Uma das prioridades da reestruturação foi injetar sangue novo na empresa e mudar a cultura corporativa. Hoje, 60% dos funcionários da Kodak têm menos de três anos de empresa.”
À luz desse cenário prever o futuro da Kodak já era uma “aposta de alto risco”.
É nítida aqui ma postura equivocada dos que estavam a frente no comando e que eram movidos por outras causas que no atual momento não conseguimos perceber bem porque".
Exposto isso, creio mesmo é que análise mais completa se dará dentro de várias décadas quando se poderá olhar todo o percurso e verificar que foi que faltou...

Em História não julgamos contemporaneamente: deixamos o tempo trazer as respostas. Todo e qualquer julgamento é precipitado e não encontrará soluções que se sustentem. Serão apenas e tão somente pontos de vista. No imediatismo do momento poderemos fazer juízos de valor que simplesmente não serão cabíveis em algumas décadas. A História é antes de tudo feita por grandes movimentos.
Será preciso pensar a empresa, o seu tempo e a cultura social... muito mais do que aspectos técnicos e organizacionais.

Como digo... olho sempre como humanista...

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O post aqui chega a ser uma homenagem póstuma a uma grande profissional que foi interlocutora em vários debates dos quais eu participei ainda no inicio de minha atuação em  Grupos de Discussão no LinkedIn.
O debate a que me refiro você pode ver aqui:

Mércia Neves: Kodak pede ajuda para reorganizar seus negócios e diz que se concentrará nos negócios mais competitivos – Faltou visão de futuro?

8 de fev. de 2014

Uso de tecnologias como política de preservação de patrimônio cultural - documental

Por: Eliana Rezende


Em outro post esclareci o que a Gestão Documental pode representar para as instituições do ponto de vista de racionalidade administrativa.

Nessa oportunidade, estaremos tratando do valor de políticas de preservação de patrimônio cultural-documental  de acervos históricos dentro das instituições e de que forma são importantes como meio de garantir que informações contidas em documentos de diferentes suportes tenham asseguradas sua permanência através do tempo, para beneficio da pesquisa, cultura e inovação.

Com esta responsabilidade e preocupação é que as diferentes tecnologias disponíveis no mercado têm se transformado em coadjuvantes num trabalho que possui duas frentes: de um lado, a disponibilização de informação de qualidade em tempo reduzido ao mesmo tempo em que possibilita que políticas de preservação e conservação se efetivem.

A noção de patrimônio é interessante quando pensamos a massa documental existente no interior das instituições. O conceito de patrimônio vem se alargando contemporaneamente e neste sentido pode tomar não apenas a produção humana (obras de engenharia, monumentos, tecnologias, etc) , mas toda a produção emocional e intelectual das sociedades (música, poesia, acarajé, entre outros). Assim, o patrimônio é um bem cultural que permite que possamos conhecer melhor a sociedade e o mundo que a cerca, desde que estes sejam capazes de vencer o tempo.

Ministrando Oficina de Preservação e Conservação Documental

E é exatamente esse o desafio que se coloca aos profissionais que atuam com documentos que necessitam ter uma guarda de longa duração. Como atuar de forma eficiente e eficaz realizando todo o trabalho de manutenção de acervos com políticas de preservação e conservação de documentos, ao mesmo tempo em que se garante o acesso às informações que tais registros contém? Como garantir que a informação seja preservada em quaisquer que sejam os seus suportes e que as mesmas sejam utilizadas como meios para a criação de inovação e conhecimento?

Indubitavelmente o que se coloca como prioritário nesta sociedade é quais serão os critérios para definir que informações têm relevância suficiente para justificar seu alçamento à posteridade através de investimentos em recursos humanos, tecnológicos e financeiros para sua manutenção.
Uma noção essencial a ser explicitada é a de preservação e conservação de documentos. De forma didática, poderíamos definir cada uma delas da seguinte maneira:

Preservação = ações de prevenção da deterioração e que tem como principal objetivo o de proteger e salvaguardar o Patrimônio. É composta por técnicas preventivas que envolvem o manuseio, acondicionamento, transporte, exposição e o controle ambiental.

Conservação = caracteriza-se pelo conjunto de  intervenções diretas, realizadas na própria estrutura
 física do bem cultural, com a finalidade de tratamento, impedindo, retardando ou inibindo a ação nefasta
ocasionada pela ausência de uma preservação. É composta por tratamentos curativos, mecânicos e/ou químicos, tais como: higienização ou desinfestação de insetos ou micro-organismos, seguidos ou não de pequenos reparos

Ministrando Oficina de Preservação e Conservação Documental

As duas ações, se realizadas enquanto políticas garantem a integridade e manutenção do patrimônio existente no interior de instituições e, em nosso caso específico, os acervos documentais em
seus diferentes suportes. Com este caráter são também chamadas de ações de conservação preventiva, cujo objetivo principal é não permitir que os documentos tenham que sofrer processos de restauração, que
representam maiores custos e demandas especializadas.

Além destas preocupações, a importância de ações contínuas e coerentes coloca-se como condição fundamental. Não adiantaria criar inúmeras ações sem garantias que possam ter continuidade,
ou mesmo que se consumam recursos em demasia em uma direção, esquecendo-se completamente de outras (não adiantaria embalagens de boa qualidade quando o local em que os materiais estão guardados
é inadequado).

Daí a necessidade de definir prioridades e planejar o futuro: estabelecendo programas e projetos que se desdobrem e que possuam como principal objetivo a permanência, ao mesmo tempo em que a
preservação e conservação estejam garantidas.


Este trabalho só é bem sucedido quando se conhece de perto as necessidades e demandas internas e externas dos usuários, e possui um trabalho minucioso, pautado em um cronograma realizável .  
Um cronograma de trabalho aplicado às reais necessidades dos usuários viabiliza passos e aponta caminhos a serem seguidos com metas claras e objetivas. Não se perde tempo com aquilo que não importa ao mesmo tempo em que se enxergam rapidamente áreas de gargalos e realizações.

De tudo o que se disse, têm-se que a disponibilização de acervos via informatização vem sendo um trabalho árduo, com inúmeras reflexões sobre a aplicabilidade de tecnologias aos acervos históricos em geral e o cumprimento de requisitos mínimos de preservação e conservação digital.

A discussão sobre este e outros temas seguem em outras postagens...

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Posts Relacionados:
Patrimônio Arquitetônico: Preservar não é apenas tombar!
O valor da Memória Institucional no Universo Organizacional 
Digitalização substitui Gestão Documental?


6 de fev. de 2014

De cidades e Calvino

Por: Eliana Rezende

Os amigos próximos sabem do meu fascínio por cidades e por isso, vez por outra você terá referências de cidades, arquitetura e design. 


A proposta aqui é aliar todos os interesses acima com um passeio ficcional por imagens escritas e pintadas de cidades e personagens inusitados. 

Serão duas trilhas que te levarão por diferentes construções imagéticas, arquitetônicas e visões de mundo de cidades. 


Labirintos de possibilidades do olhar.  



City #8: Vaddooi (David F): uma cidade autossustentável

A licença para abordar dessa maneira cidades vem de um italiano que nasceu em 1923. 
Ítalo Calvino é o seu nome. Seu argumento não poderia ser mais inusitado: o que contaria um mercador veneziano, o mais famoso de todos, a um imperador tártaro? Estamos falando de Marco Polo e suas descrições de cidades e aventuras do império mongol a Kublai Khan, estimada em torno do século XII. As descrições arquetípicas dão-nos vistas de cidades imaginárias e, portanto, invisíveis. 

O encontro que surpreende pela natureza do diálogo descritivo, traria à tona imagens e tons de 55 cidades pertencentes ao império tártaro, narradas e pintadas poeticamente pelo mercador ao imperador confinado e recluso em seu castelo, curioso por saber sobre quais eram as dimensões de seu império. 


E assim surgiam imagens caleidoscópicas de cidades e mundos...de vidas e relações urbanas.
Uma narrativa que coloca em causa que o urbano transcende em muito sua arquitetura e que são os habitantes e as relações que tecem com seu espaço que dão o sentido de cidade. É por isso que cada uma delas possui tantas características e peculiaridades que podemos dizer que possuem alma.

Marco Polo, tecendo um verdadeiro labirinto discursivo trazia magia e encantamento à cada cidade e suas características dispostas em blocos temáticos (as cidades e a memória, as cidades e o desejo, as cidades e os símbolos, as cidades delgadas, as cidades e as trocas, as cidades e os mortos, as cidades e o céu...). Todos perfilados com nomes e arquétipos femininos.



City #6: Uaeinn (Katie D): uma cidade de clones
A escrita às vezes possui essa magia de "pintar" imagens e nos  transportar para elas, nas palavras de Claudio, nas "Cidades Invisíveis" de Calvino: "ser siderado é mesmo uma delícia!". 

As cidades descritas ganhavam contornos por suas ruas, por suas linhas curvas ou retas circundando espaço e lugares, ou por ângulos que compunham ruelas e pontes ou enquadramentos dispostos por janelas, nos seus entalhes como cicatriz, nas suas pedras como mosaico.



A narrativa de Ítalo Calvino nos dá essa sensação de escrita fácil e fluída. Uma escrita construída a partir da concretude imaginativa de perspectivas e olhares. 
De todas as suas descrições, talvez você seja capaz de encontrar uma cidade para chamar de sua. Experimente!

Descubra Calvino clicando aqui e passeie por ruas e construções de suas cidades invisíveis, descortinadas por um personagem único e sensível.  

Conheça e deixe-se encantar por Isaura, Cecília, Cloé, Ercília, Zora, Adelma, Otávia, Fedora, Zoé, Olívia, Leandra, Eudóxia, Clarice, Leônia, Irene, Olinda, Raíssa, Teodora, Berenice, entre tantas outras. 

Mas se são de imagens que estamos falando, acrescento outras feitas como ilustração. 

City #4: Ukivy (Vicky D): as sementes em seu tempo
São as Cities of You onde imagens as imagens ficcionais de Calvino ganham tons oníricos. Permita-se perder-se nesse universo de imaginação e quase sonho. 
Sei que não se arrependerá. 
Visite cada uma delas e faça um paralelo com o texto de Calvino.

Perder-se em uma cidade, como dizia Walter Benjamin, é também uma forma de se achar! 
Destarte escolha, se for capaz, uma delas para chamar de sua.

Enquanto isso minha votação sobre a ilustração de cidade e talvez sua relação com o espaço que aqui partilhamos vai para a City #1: Fraboo (Brian F), Otávia, suspensa em teias sobre um abismo. É uma das chamadas Cidade Delgadas.

Conheça-a:

Otávia: a cidade teia de aranha
Nas palavras de Calvino: 

"Essa é a base da cidade: uma rede que serve de passagem e sustentáculo. Todo o resto, em vez de se elevar, está pendurado para baixo: escadas de corda, redes, casas em forma de saco, varais, terraços com forma de navetas, odres de água (...) trapézios e anéis para jogos, teleféricos, lampadários (...)Suspensa sobre o abismo, a vida dos habitantes de Otávia é menos incerta que a de outras cidades. Sabem que a rede não resistirá mais que isso."


A ideia dessa cidade em rede onde seus fios tecem a garantia de que nunca ninguém saia dali ou que pise em terra firme pode ser uma metáfora interessante...

Seria Otávia a cidade onde toda a rede virtual que nos prende, enlaça e aninha se encontra? Seriamos nós habitantes de uma Otávio no ciberespaço?

E qual é cidade para chamar de sua? As votações estão abertas.