22 de jul. de 2016

A desinformação togada e o WhatsApp

Por: Eliana Rezende

Foram uma, duas, três vezes e milhões de brasileiros sendo penitenciados por uma decisão togada que revela além de uso desproporcional de força um equívoco provocado por desinformação começada na toga e concluída em praça pública.

Não creio ser necessário entrar no mérito da questão judicial que de um lado pressiona a empresa detentora do serviço (WhatsApp) e a questão de quebra de sigilo de contas de contraventores ou punição de milhões de inocentes.

O que me chama a atenção é a desinformação sobre o assunto da criptografia por parte dos que julgam e promulgam sentenças. Algo crasso e imperdoável. Emitem pareceres que caberiam bem no século XIX, ou no XX sem web. Mas nos dias de hoje?!
Para além de tudo significar ferir diretamente o que determina o Marco Civil Regulatório da Internet no Brasil e o artigo nº 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos de uma única vez.

Mas afinal: o que é mesmo criptografia?

Se formos ao dicionário, a definição mais completa seria:
"(....) Conjunto de regras e técnicas utilizado para cifrar, para codificar a escrita, transformando-a num tipo de código incompreensível para quem não está autorizado a ter acesso ao seu conteúdo. (...)"

A palavra criptografia vem do grego e é formada por duas palavras: "kryptós" que significa oculto e "gráphein" que significa escrever. Ou seja, é uma escrita escondida.

A técnica em si não é nova e remonta às civilizações clássicas gregas, romanas e egípcias que criptografavam seus escritos para impedir que inimigos tomassem conhecimento de seus escritos.

A criptografia funciona como se fosse um embaralhamento de dados. E tal como ocorria em tempos passados, o objetivo é tornar seguro o conteúdo da informação trocada entre partes.

O grau de segurança de uma criptografia esta na quantidade bits utilizados para encriptação. Já que um sistema de encriptação que contenha 8 bits oferece um universo de 256 combinações diferentes. Atualmente utilizam-se 128 bits (que são combinações de números e letras).  
Para se ter uma ideia, no modelo 128 bits, para se conseguir decodificá-los seriam necessários 40 computadores trabalhando simultaneamente durante 20 anos ininterruptamente!

De um ponto de vista mais técnico, diríamos que a criptografia pode ser simétrica e assimétrica e envolve uma série de procedimentos para cada um destes casos. Como não é objetivo deste post esplanar tecnicamente isto sugiro a leitura para maior entendimento e mais fontes de bibliografia e consulta o texto "Segurança, Criptografia, Privacidade e Anonimato".

Para compreender um pouco mais sobre os usos e aplicações da criptografia nos dias de hoje, assista o vídeo "O que é Criptografia".

Graficamente a criptografia pode ser exemplificada da seguinte forma:


Ou seja, o conteúdo das informações trocadas ficam disponíveis apenas entre os envolvidos, como se houvessem cadeados que as trancassem e apenas a chave que cada um tem as abre e decodifica.

Agora vejamos o caso do WhatsApp

Recentemente a ferramenta enviou mensagens a todos seus usuários informando que estaria sendo utilizada a criptografia de ponta-a-ponta. Provavelmente foi uma mensagem assim que você recebeu no seu celular, e que continua a receber toda vez que acrescenta um novo contato:

 

O que de fato este tipo de criptografia significa?
A chamada "criptografia de ponta-a-ponta" do WhatsApp assegura que somente as pessoas que estão se comunicando possam ler o conteúdo trocado. Ninguém mais consegue fazê-lo, nem mesmo o próprio WhatsApp.

Este formato de segurança, apesar de questionado para os casos de uso ao crime é uma grande segurança para usuários comuns e que representam a esmagadora a maioria de utilizações. Claro que crimes podem ser cometidos, mas interferir neste caso significa por em xeque a segurança de milhões de usuários. Algo prezado e alvo de muitos lutas e debates para que passassem a existir.
Por envolver tantos milhões de pessoas e negócios é uma relação onde o custo benefício precisa ser medido de forma responsável.
Como o próprio STF vem se manifestando, este tipo de punição a milhões de pessoas é desproporcional.
De minha parte, acrescento que, ignorante por parte de quem julga e inconsequente perante a punição de milhões de usuários que nada tem com o ocorrido. Não se pune 100 milhões de pessoas por causa de 1 contraventor!

Além do mais, as decisões de bloqueio tomam a ferramenta como se a mesma funcionasse como um telefonema. O que nossos togados se esquecem, é que apesar de ser usada em um aparelho celular, a ferramenta está longe de possuir as características tão usuais de grampos telefônicos.

Se criminosos se comunicam da cadeia usando a ferramenta, o problema que precede ao seu uso, e este sim de competência das autoridades, é o de celulares nos presídios!

Enquanto soluções tecnológicas que atendam de um lado o direito à privacidade e sigilo de uns e, de outro, o praticante de delito não estiverem disponíveis e sem prejuízo a ninguém, é preciso que togados usem de bom juízo e entendam os tempos que julgam, os meios tecnológicos e o seu alcance social. As decisões não podem ser unilaterais, autoritárias e desproporcionais. Fazer isso fere a essência do que seja praticar o Juízo e a justiça.

Julgar, tomando em conta um único aspecto e perder de vista o alcance e prejuízo social de todos, em nome de um é uma irracionalidade torpe e sem sentido.
A imagem da justiça com uma venda nos olhos parece se aplicar com precisão nestes casos.


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5 comentários:

  1. Creio que se a determinação judicial fosse eliminar a criptografia dos dados de uma determinada pessoa, ordenar que suas comunicações fossem arquivadas e, posteriormente liberadas para os órgãos competentes,teríamos uma solução. Claro que é um problema técnico a ser resolvido, mas, apesar de sua complexidade, muito menos agressivo que o bloqueio total do aplicativo.

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    1. Concordo. Até mesmo porque se empresa implementou o recurso de criptografia, obviamente ela tem como saber a chave que foi utilizada em cada mensagem. Essa conversa de que as mensagens podem ser vista apenas pelo emissor e destinatário é "conversa pra boi dormir".

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  2. Perfeita explanação. A "área de inteligência" dos contraventores sempre fez uso das criptografias para consecução dos seus planos, inclusive nas guerras. A questão aqui é: o Estado perdeu o pé de onde está localizado no seu tempo, e no seu espaço. O mundo está líquido e o Estado ainda se move como os dinossauros. A questão é muito simples: não competência (na acepção primordial do termo, aquele que compete) do Estado com a realidade que o cerca (realidade,numa da acepções originais do termo: capacidade de "perceber", capacidade de tornar as coisas percebíveis, reais).Não tem mais o mínimo de recursos cognitivos necessários para conseguir sair dessa confusão e atinar com o que ocorre agora: o "mundo em redes" se move de uma forma como nunca vista ( ou pelo menos não registrada e contando com a população atual da Terra). E não vamos poder lidar com isso como se fosse a cavalaria americana no meio oeste.

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  3. Pode até ser "conversa para boy dormir", mas recursos de criptografia são tecnologias de grandes empresas. países de primeiro mundo que possuem um grupo de inteligência eficaz não fica nas mãos de grandes transnacionais, pois eles possuem recursos para desvendarem o crime de verdade. O governo deve parar de colocar na conta da sociedade e fazer seus órgãos de inteligência funcionarem como deveria. Ainda bem que empresas grandes como Facebook tem nomes bem mais fortes do que qualquer política de Estado e esse caso brasileiro é a prova disso, da falha do ambiente de inteligência em que nosso país se encontra submetido.

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    1. Sem dúvida a "justiça" está punindo inocentes quando bloqueia acesso ao aplicativo para todas as pessoas, e com certeza isso não poderia estar acontecendo.
      Mas o que eu tentei explicar é que não cabe na cabeça de nenhuma pessoa que tenha um pouco mais de conhecimento sobre o assunto, essa conversa de que a empresa que criptografa as conversas dizer que não tem acesso as chaves para descriptografar estas mensagens.
      Alguém já se perguntou porque o Whatsapp foi comprado por US$19 BILHÕES (aproximadamente R$60.000.000.000), e não cobra “nada” dos usuários nem publicam anúncios?
      Será que é simplesmente caridade e o único objetivo é fazer com que as pessoas se comuniquem "sem gastar nada"?
      Ou será que é porque a empresa proprietária do aplicativo consegue facilmente minerar as informações importantes como por exemplo de quais marcas as pessoas estão falando e o que estão falando delas, para onde elas estão viajando, quais são suas preferências de consumo em geral... e depois organizam essa grande massa de informação (big data) e vende para grandes empresas que se utilizam destas informações valiosas para traçarem suas estratégias de marketing?
      Afinal de contas, no Whatsapp ou em qualquer outra rede social, as pessoas expõem tudo sobre a vida delas, e será que estas empresas apenas guardam suas informações pessoais, conversas, curtidas, fotos, preferências...
      Acho que devemos deixar de ter essa visão romântica sobre as Redes Sociais e começar a pensar no que pode estar sendo feito com suas informações.

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