História Oral: o que é? para que serve? como se faz?

Por: Eliana Rezende

A questão sobre o que vem a ser História Oral, como pode ser utilizada pelas instituições e de que forma deve ser realizada é um tema que interessa a diferentes áreas.

Neste artigo, procurarei tecer considerações acerca de sua utilização, metodologias, aproximações e diferenças entre as áreas.

A História Oral é amplamente utilizada pelas Ciências Humanas, e é caracterizada pela coleta de depoimentos com pessoas que testemunharam conjunturas, processos, acontecimentos, modos de ser e de estar dentro de uma sociedade ou instituição. Ela pode estar dividida em três gêneros distintos: a tradição oral, a história de vida e a história temática.


Explicando cada uma delas:

A Tradição Oral caracteriza-se pelo testemunho transmitido oralmente de uma geração para outra.
Por meio da História Oral e suas metodologias pode-se resgatar tradições rurais e urbanas como cantigas de roda, brincadeiras e histórias infantis.
A História Oral não pode ser confundida com História de Vida. Esta última é um relato autobiográfico onde a escrita está ausente, e portanto não pode ser chamada de autobiografia. A História de Vida concentra-se na história pessoal de um individuo contada por ele próprio. É, portanto, um relato pessoal.
Já a História Oral Temática, em geral, é feita com um grupo de indivíduos sobre um determinado evento ou movimento vivido por todos. São perspectivas individuais de sujeitos inseridos em um mesmo contexto.

Você poderá estar se perguntando:

Mas afinal, é uma metodologia de trabalho?

Bem, ela poderá ser considerada um método de investigação, fonte de pesquisa ou técnica para produção e tratamento de depoimento, entretanto, sua classificação dependerá da orientação dada ao trabalho. 

Vejamos um exemplo:
Quando a história oral é utilizada como forma de conhecer um período, conjuntura ou instituição, ela será entendida como uma metodologia de trabalho mas, a partir do momento que essas informações sejam utilizadas, tais relatos constituirão a bibliografia de uma pesquisa posterior.

A produção de um depoimento é um trabalho conjunto entre depoente e entrevistador  onde juntos produzem um documento. Após a geração deste documento, que deve obedecer a um método e sequência de trabalho próprio da história oral, é necessário estabelecer critérios técnicos para a sua guarda, sigilo e acesso.

Lembrando que a definição que adoto para documento é a seguinte:


Há diferença entre um depoimento e uma entrevista?

Em linhas bem genéricas podemos afirmar que sim!
Em geral a entrevista é utilizada pelas áreas de comunicação e obedece a  uma pauta previamente estabelecida, com objetivos claros e definidos a priori.

Numa entrevista nunca se busca ir muito além da pauta, especialmente, por questões de tempo e disponibilização aos meios de comunicação que a produziram e, normalmente, atendem sempre a urgência de um fato.

Com o depoimento precisa e deve ser diferente. Em geral, faz-se um roteiro inicial para entrevista, mas este pode ser alterado de acordo com a interação entre depoente e entrevistador. O depoimento respeita a sequência memorialística do depoente, valorizando seus silêncios e não ditos.  Nesse tipo de depoimento, o depoente nunca deve ser interrompido. O entrevistador é antes de tudo um ouvinte!
Daí que aquele que colhe o depoimento não é um entrevistador, é um ouvinte!

Seguindo sobre a história oral seria importante você saber que:

Sua introdução no Brasil deu-se a partir dos anos 1970 e encontrou força nos anos 1990. Deste crescimento surgiu a criação em 1994 da Associação Brasileira de História Oral, e em 1996 foi criada a Associação Internacional de História Oral. 

Desde os seus primórdios a história oral firmou-se como um instrumento de construção da identidade de grupos em processo de transformação social.  

A história oral é caracterizada por uma série de procedimentos no pré-, no curso e pós- depoimento. Isso porque a definição de quem,  porquê e como deve obedecer a critérios pré-estabelecidos de relevância e sentido ao que se quer pesquisar ou preservar.

Em geral, a opção pela história oral dentro de uma instituição ocorre com alguns objetivos pré-definidos. Dentre os quais citamos:

  1. Registrar os relatos das personalidades que, direta ou indiretamente, partilharam determinado período, tema, ou instituição;
  2. Recuperar dados e informações sobre fatos e episódios importantes para a história institucional; 
  3. Constituir um acervo que sirva às consultas, para posterior pesquisa e produção de conhecimento.
  4. É preciso que se tenha em mente que o equacionamento entre história x memória nestes casos, resulta em uma nova “construção do passado, mas pautada em emoções e vivências”, já que os eventos da memória são retomados a partir de experiências passadas com o filtro da atualidade. 


Sugiro que aprofunde seus conhecimentos sobre o tema. Você pode obter informações sobre todos os passos necessários à coleta do depoimento, suas diferenças e procedimentos, consultando o Manual do CPDOC no link abaixo, tal leitura será útil para a nossa Unidade que trata sobre metodologias adequadas:

Abra-o e leia-o na íntegra aqui:
Na sua leitura tenha atenção sobre os aspectos relacionados à metodologia de produção do depoimento e de que forma esta se adequaria às realidades de sua instituição ou às suas concepções de projeto. Fazendo desta forma, sua leitura passa a ter uma direção metodológica e não apenas informativa.
As experiências do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC / FGV  continuam a fornecer importantes relatos sobre a experiência de colher e tratar depoimentos. Por isso, sugiro que leia o artigo "Tratamento das entrevistas de história oral no CPDOC", de Alberti (2005), disponível aqui:

No caso dessas leituras, é importante ressaltar que para além das discussões entre História, Memória e Psicologia, todo um universo que considera os aspectos técnicos e tecnológicos deve ser tomado em conta. Muitas vezes o fascínio pela possibilidade de colher depoimentos tira a nitidez do que todo o processo significa.

As tecnologias hoje disponíveis facilitam em muito a coleta de depoimentos, por outro lado colocam inúmeros desafios em relação à sua perenidade que o artigo trata de forma meticulosa e acertada. Considere tais aspectos ao pensar sobre a elaboração de um Projeto de Memória Institucional quando for o caso.
Sugiro atenção em relação aos campos definidos para compôr a identificação do depoimento. Defina com antecedência quais serão estes campos, como deverão ser preenchidos e de que forma sua acessibilidade estará garantida em especial considerando aspectos relacionados à obsolescência tecnológica. A leitura atenta do artigo de Alberti auxiliará na estruturação destas necessidades.
Não há uma única forma de estruturar depoimentos de história oral. Mas alguns cuidados podem e devem ser tomados na fase de elaboração e execução do projeto. Transcrevo alguns destes cuidados, apresentados no artigo "História Oral e Memória: a construção de um perfil de Historiador-Etnográfico", de Éder Silveira e que você, se desejar, pode ler na íntegra aqui:

(...) A entrevista se configura como principal instrumento (ou técnica) do método de História Oral. Para realizá-la, não há uma única receita ou diretriz. Contudo, cita-se algumas observações convergentes nas obras de THOMPSON (2002), ALBERTI (2004; 2005) e ZAGO (2003) que orientam o pesquisador na produção de entrevistas no método da História Oral:
1. Ter consciência de que não existe neutralidade do pesquisador desde a escolha pelo tipo de entrevista a qualquer outro instrumento de coleta de dados ou fontes.
2. Respeitar os princípios éticos e de objetividade na pesquisa, lembrando que nenhum método dá conta de captar o problema em todas as suas dimensões. Todas as conclusões são provisórias, pois podem ser aprofundadas e revistas por pesquisas posteriores.
3. O pesquisador não deve se apropriar da entrevista somente como uma técnica de coleta de dados, mas como parte integrante da construção do objeto de estudo.
4. A entrevista compreensiva não tem uma estrutura rígida, isto é, as questões previamente definidas podem sofrer alterações conforme o direcionamento que se quer dar à investigação. Dar preferência a perguntas mais abertas e um roteiro flexível.
5. Reservar um tempo relativamente longo para a realização da entrevista.
6. Durante a entrevista é válido ter um diário de campo onde se possa fazer anotações das reações, posturas e impressões do entrevistado, dificuldades nas informações obtidas, o que provocaram suas lembranças, novidades nas informações ou conteúdo, informações obtidas em off, etc.
7. Uso de elementos que evoquem a memória do entrevistado como fotografias, recortes de periódicos e menção a fatos específicos podem facilitar o desenvolvimento do trabalho.
8. Construir fichas que organizem e orientem as futuras fontes orais. Deve-se privilegiar dados como o nome do entrevistado, número da entrevista que vai representar dentro do universo da pesquisa, idade do entrevistado, endereço, local onde foi gravada a entrevista, nome do entrevistador, idade, profissão, religião, datas das entrevistas realizadas com o informante, em que fitas (previamente numeradas) estarão gravadas as entrevistas, em que páginas da transcrição se encontrarão referências a determinados temas e se há alguma restrição ao acesso das informações.
9. No início da entrevista, gravar informações como: nome do entrevistado, do(s) entrevistador (es), data, local e finalidade do trabalho.
10. Providenciar um Termo de Consentimento Informado, onde fique bem claro ao entrevistado:
a) as finalidades da pesquisa;
b) nome do informante e número de documento pessoal, como RG;
c) se a divulgação da entrevista oferece riscos ou prejuízos à pessoa informante;
d) a permissão ou não permissão da divulgação do nome do informante (caso não seja permitido, orienta-se que se produza uma declaração para este fim no verso deste termo, sendo assinado por ambas as partes (pesquisador e entrevistado), podendo o informante optar por um pseudônimo;
e) cedência dos direitos da participação do entrevistado e seus depoimentos para a pesquisa em questão;
f) abdicação dos direitos autorais do entrevistado e de seus descendentes;
g) data e assinatura do termo pelo participante e pesquisador - torna-se importante nesse item, anexar ao termo que será assinado por ambas as partes, a transcrição da entrevista. (...)  Silveira (2007)

Realizado o depoimento, vem o momento de indexá-lo de modo a facilitar sua posterior pesquisa. De novo, o exemplo do CPDOC merece ser considerado. Como forma de pensar em formas de indexação para o caso da história oral proponho a leitura do artigo "Princípios de indexação de entrevistas de história oral" de Brando,que você lê aqui:
Mas, todo este trabalho não faria qualquer sentido se a divulgação não alcançar seus objetivos: registrar as informações de maneira a atender às demandas de produção de conhecimento e/ou inovação em diferentes áreas de conhecimento.

Para esta tarefa, o mundo contemporâneo tem oferecido inúmeras ferramentas e possibilidades. Se usadas de forma coerente e consciente trarão inúmeros benefícios.

Muitos subprodutos um Projeto de Memória Institucional pode oferecer: de exposições permanentes à itinerantes, livros comemorativos, sites, portais, entre outros. Em todo caso, o cuidado e o zelo na elaboração do projeto devem estar refletidos e mostrar a importância e o respeito às memórias ali reunidas.
Os produtos devem refletir o valor reunido de experiências e da identidade institucional.

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Este post possui uma versão revista e atualizada no meu Portal: ER Consultoria | Gestão de Informação e Memória Institucional, e que pode ser lido em sua íntegra clicando-se aqui

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Comentários

  1. Querida Eliana! Adorei este post, mas sou suspeita, pois, como você sabe, sou fã da metodologia da História Oral. Achei muito importante a sua visão de produção de documento a partir do relato oral, muito bem sintetizado na imagem que você postou! Bjs e saudades!!!

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    Respostas
    1. Ol@ Cláudia...
      Obrigad@ menina!
      Tbm tenho fascínio muito grande por ela tbm. Desde os tempos da iniciação científica que ela faz parte do meu cotiano de aplicação e leituras.
      Mas ainda é nebuloso para muitos profissionais. A ideia é poder ajudar e inciar muitos deles a este universo.
      Espero fazer outros posts aprofundando outras questões.
      Aceito sugestões, heim?
      Abs

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  2. Gostei muito.
    Só vejo que toda história tem um carater pessoal e dependendo das crenças do indivíduo essa história pode sofrer mudanças da realidade.

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  3. Ol@ Roberto...
    Em História não tomamos categorias como realidade, verdade ou afins.
    É premissa da História que ela seja uma construção. Quer por parte de quem a registra, como é o caso dos historiadores, quer do ponto de vista de um depoente. A história representa sempre um ponto de vista. Daí a importância do respeito e a conscientização por parte do pesquisador de compreender que quando colhe um depoimento está produzindo um documento junto com o depoente.
    Abs e obrigada pela interlocução

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  4. Oi! Boa Tarde Eliana!
    Estou ao término da graduação em história e indentifiquei-me com a história oral. Gostaria de sua ajuda caso possível, quero desenvolver um projeto falando da minha cidade. Ficaria muito grato de ouvir suas sugestões.
    Bjs

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