19 de set. de 2014

Desinformação como tática midiática

Por Eliana Rezende

Como profissional da informação, custa-me assistir diariamente verdadeiros atentados contra aquilo que considero a coisa mais importante que caberia a meios de comunicação: a informação como matéria-prima tanto para a tomada de decisões quanto para o exercício de cidadania. 

Mas infelizmente, e muito especificamente no caso da imprensa brasileira, temos o que alguns profissionais da área chamam desinformação como tática!




Vejo que mais do que corrupção, escândalos, manifestações, inflação ou qualquer outro termo utilizado pela grande imprensa o mais crasso e perigoso à democracia é a desinformação.  Pior, quando é uma escolha, uma opção dos veículos de massa que pretendem, com esta ação, pautar como a sociedade se organiza, politica, social e economicamente.

Cito alguns exemplos neste sentido. 
Em todo o período que antecedeu à Copa do Mundo, o Brasil assistiu a uma onda de pessimismo e de queixas que se reproduziam como mantra.
Os meios de comunicação, realizando um papel absurdo de partido político tentava, por meio de meias verdades e desinformação, gerar mal estar e pessimismo nos brasileiros e desconfiança no resto do mundo. Por seu turno, via as pessoas repetirem chavões acríticos que ouviam nas mídias e, sem pensar sobre os reais interesses por trás de tudo o que a imprensa noticiava e envenenava.

Os resultados todos nos lembramos bem: chegava a haver um mal estar nos meios quando tinham que reconhecer que tudo estava correndo muito bem. E o pior: quando os elogios rasgados vinham da imprensa internacional. Toda a desinformação voltou-se contra seus próprios construtores. O descrédito foi geral! E assolados em duas frentes: de um lado uma campanha de marketing abominável tentando colocar nas mãos de alguns jogadores todo o talento e magia de nosso futebol. Fiasco de novo. O futebol envergonhou e mostrou-se patético: ocupou sua real posição no mundo do futebol internacional. Cartolas e  jogos de interesses foram expostos em praça pública. Dois tiros no pé! Erraram em todas as suas previsões. Ainda bem que tinham dois pés para, democraticamente, dar-se um tiro em cada um e ainda sobravam dois, lá atrás.

A imprensa no Brasil deixou de fazer jornalismo há muito tempo. 
Como profissional da Informação, esta é uma conduta que me irrita profundamente... 
Cito, Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:  
"(...) Se o leitor ou leitora afeto à visão crítica dos acontecimentos fizer uma visita ao noticiário dos últimos doze meses, vai observar que o estado de espírito negativo que contamina o Brasil não decorre de um efeito colateral do noticiário: é o propósito central da atividade da imprensa hegemônica.
Quando o sistema da comunicação abandona o pressuposto da objetividade para atuar como lobby, mesmo às custas de suas necessidades e interesses de longo prazo, pode-se dizer que houve uma ruptura entre jornalismo e imprensa. 
O núcleo tático desse procedimento é a imposição de meias-verdades, que produzem a desinformação geral; a desinformação estimula protestos, crises, decisões equivocadas de investidores, e − o mais grave − descrença no sistema democrático (...)" 
Lembro de um fato ocorrido que dá bem este exemplo de desinformação como tática.

Era um evento de índios em Brasília. 
De repente, uma foto com cenografia pura e simples. E já tínhamos por parte da imprensa uma manifestação dos índios contra o Planalto! 

Nenhuma discussão sobre o seu número, sua representatividade e seus objetivos, quanto que em termos percentuais aquele número significa na população do Brasil e quais os aspectos que são antes de tudo culturais. 
As fotos maquiadas e muito focadas servem aos interesses lobistas da imprensa e não tem nada que ver com informação. 


A vítima pela lente da mídia
O mesmo ocorreu quando se tentava dar aos black blocks uma dimensão infinitamente maior do que de fato o foram. Discussão que até sociólogos se recusavam a fazer, já que enquanto expressão e volume nada representavam. Eram de fato situações isoladas que tentaram ser exploradas e superdimensionadas pela imprensa em geral. 

Vejo o nosso papel como sendo exatamente este: pôr tais temas em pauta e de fato questioná-los. 
Não ser meros consumidores de informação. Já falei sobre isto, no post "Consumidores ou Coletores de Informação?" que ainda acho bem atual e pertinente para este caso. 

Transcorrido o tempo, mas de novo nesta orquestração de desinformação, temos a construção quase que diária de factoides*. 



*Um factoide (nova grafia, pelo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa) é uma declaração (falsa, não verificada, ou fabricada) questionável ou espúria apresentada como fato, mas sem provas. O termo também pode ser utilizado para descrever um fato especialmente insignificante ou novo, na ausência de contexto muito relevante. O termo é definido pelo Compact Oxford English Dictionary como "um item de informação não confiável que é repetido tantas vezes que se torna aceito como fato"

Os factoides são a tentativa de pautar os caminhos de nossa democracia a partir das páginas de semanários (ex.: Veja). Para falarmos o mínimo, sua construção de escândalos e capas são um atentado ao verdadeiro jornalismo! 

A condição primordial, que deveria ser ensinada, para todo aquele que deseja um dia ser um profissional de informação, é checar sua fonte, indicar provas. Boataria não serve à ninguém e muito menos à informação.
Mas nesta luta de trincheira midiática o papel mais tosco coube a outros "veículos de informação" que saíram atrás de reproduzir o boato. Aí, de fato estamos em dificuldades.

Não cabe à imprensa julgar, supor, investigar nem condenar. Cabe apontar vias de elucidação, esclarecer de forma articulada e inteligente, mostrar meandros e conexões, construir questões que problematizam de fato e que não sejam apenas névoa para confundir. Mas em todos os casos o que temos são escolhas e informações. Ambas sempre estiveram em territórios e disputas pelo poder e livre pensamento. A desinformação no entanto, tenta anular os dois.


Provavelmente, não seremos nós a mudar tais opções, pois não nos pertencem. Mas temos que ser nós a aprender a ter uma postura crítica e arrazoada. Nunca embarcar no primeiro mantra que ouvimos divulgado. Do contrário perdemos todos! E seremos avassalados pela desinformação. Afinal, dados são apenas dados...informação e posicionamento crítico são outra coisa. 


O papel dos meios de comunicação tentando realizar pilhagem de dados e apresentá-los para obter algum protagonismo noticioso, em geral revela-se, como de fato tem ocorrido sucessivamente com VEJA, um malogro patético. 




Eis o papel que nos cabe:
Ser agente e profissional nos processos de lidar, tratar e usar a informação. Simplificações e passionalidades não servirão e logo, logo, teremos sim que nos posicionar de forma consciente frente à uma urna.
Isto sim me preocupa!


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3 comentários:

  1. MEU COMENTÁRIO É CONTRA OS FACTOIDES QUE ILUDEM OS MAIS DESINFORMADOS. ESTÁ CHEGANDO A HORA DAS URNAS E ESSES PROFISSIONAIS COMPRADOS ESTÃO ENVOLVENDO O POVO DESINFORMADO. É TRISTTE SABER QUE NÃO PODEMOS MAIS CONFIAR NA IMPRENSA BRASILEIRA. EDNA MAIAL BARCELLOS

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  2. Aliás, raramente pudemos confiar na imprensa. A lista de fiascos é interminável. A eleição de Collor, a distorção das imagens do comício das Diretas Já, os editoriais enaltecendo a "volta da democracia" quando o país entrou em ditadura, e por aí vai. Carlos Lacerda deixou muitos discípulos, e as famiglias donas de meios de comunicação mantêm seus podres propósitos a qualquer custo. Mesmo porque o custo é patrocinado.
    Abraços

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  3. Eliana Rezende, você é sensacional! Parabéns pelo excelente texto.

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