Em Tempos de Tintas Digitais: Escritos e Leitores - Parte II
Por Eliana Rezende
Em dois posts anteriores, que pode ler aqui e aqui, procurei abordar as questões referentes a fluidez de escritos propiciada por diferentes suportes neste principio de século XXI e os desafios que se colocam à profissionais das áreas das Ciências Humanas.
Se num primeiro momento concentrei-me nas formas e possibilidades de escrita, neste outro momento estarei atenta a desenvolver outra perspectiva:
Em outra margem e não menos importante, teremos a leitura.
Tal como várias outras formas de aprendizagens, sociais e culturais, obedecem a determinados códigos: haja visto que até a forma como deslocamos nosso olhar indica uma ordem que, para o ocidental, vai da esquerda para direita e de cima para baixo. Convenções estas que se colocam como contexto/parâmetro para que a leitura se dê. A seguir, procede-se à leitura propriamente dita e que muitas vezes não é feita palavra por palavra. Em geral essa leitura possui uma forma geométrica, semelhante ao desenho da letra F.
Acompanha essa forma de leitura um código postural e gestual: que nos dias de hoje é feito, em geral, silenciosamente. A leitura em voz alta é utilizada em situações específicas com objetivos claros: em geral como meio de ter atenção para o que se lê, e aí pode ser uma situação pessoal ou nas formas clássicas de aprendizagem por iniciantes. Lemos com todo o nosso repertório social , cultural e pessoal (este composto por experiências sensoriais e intelectuais). Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Maro de 2014
O bom leitor será arguto, profundo e fará conexões com outros escritos e experiências anteriores presentes em seu repertório. Conexões de sentido e apropriações serão bem vindas.
Com os suportes em formato físico as experiências táteis e sensoriais, serão muito maiores, não precisamos de intermediários como: aplicativos, tecnologias, gadgets em geral. Basta-nos a experiência do silêncio da alma e a inquietude do espírito. A viagem se dará e fronteiras serão rompidas.
Roger Chartier usa a expressão “códigos de leitura” e sua aplicabilidade ao campo da leitura de imagens também procede. Se pensarmos na fotografia, temos o fotógrafo nos dirigindo o olhar e nos indicando para onde, e o que olhar. Caberá ao espectador filtrar isso e aplicar sentido ao que vê.
Essa forma de argumento pode ser aplicada a diferentes mídias e suportes e, por isso, adoto aqui o termo texto ou escrita independente do suporte, mídia ou conteúdo. Assim pensado, o texto é único, porém com tantas e grandes possibilidades de leitura e interpretação!
Para além dessa ampla produção de novos suportes para o registro de escritas, o mundo contemporâneo também produz outra categoria de leitor e de produtores de conteúdos: não teremos mais epístolas ou registros seriados e linearmente postos.
A escrita e a leitura se colocam de outra forma: a escrita não possui mais o componente de linearidade que conhecíamos e diferentes narrativas podem dar-se. Um blog, por exemplo, que seria em outros tempos um diário, apresenta em seu entremeio escritos, imagens, vídeos, sons e que não se encontram dispostos naquela mesma página.
O leitor, por outro lado, é movido e hiperlinkado para outros rumos. O encadeamento do escrito não é de quem escreve, mas muito mais de quem lê e da forma que escolhe como leitura. É nesse contexto que o documento de hoje é produzido e é nessa economia que circula, divaga virtualmente, desterritorializado, numa fragmentação veloz de tempos e espaços.
A narrativa se liberta de seu produtor imediatamente após a sua produção e é nesse sentido que paradigmas necessitarão ser revisitados, repensados e intermediados por muitas outras áreas.
Construções identitárias a partir de relações de convívio sociais serão infinitamente mais trabalhosas de se reconstituir pelos pesquisadores do futuro próximo. As trilhas deixadas terão muitas vias, acessos e saídas.
Neste princípio de século XXI sentimos esta transição que é cultural, social e, principalmente, de formatos e tecnologias. Muito natural que sintamos um tempo como se vivêssemos uma vaga. Com certeza as civilizações que nos sucederem não terão estes questionamentos e poderão achar pueris nossas elucubrações.
Decisivos para essa nova forma de comunicação escrita são os hipertextos e a disponibilidade de tecnologias cada vez mais amigáveis do ponto de vista de compartilhamentos. Nas palavras de Assmann (2000):
Uma nova cognição se configura e denota uma forma diversa de pensar relações e a construção de diferentes saberes.
Ações, escritos e produções se fazem cada vez mais com o que se chama de “desintermediação”. Em toda a história do homem, intermediários eram necessários para que a comunicação se fizesse e gerasse informação relevante. Hoje, contudo, tal necessidade deixou de existir e as relações passam a ser cada vez mais desintermediadas.
Nas palavras de Lévy:
Neste ambiente, a constante renovação e substituição, é imprescindível e alcança maior autonomia na mesma medida em que as inovações tecnológicas chegam. Muitos autores em obra aberta (wikis, por exemplo) acrescentam e são acrescidos a todo momento até que a mesma é dada por encerrada e colocada para ser consumida por leitores igualmente ávidos. Muito mais seduzidos pela novidade em si do que propriamente pela reflexão aprofundada dos temas expostos.
Sobre isso conversaremos no próximo post, que pode clicar aqui. Até lá.
Bibliografia:
Chartier, Robert (Org). Práticas de Leitura. São Paulo, Estação Liberdade, 1996.
Duque, Cláudio Gottschalg (Org). "Ciência da Informação Estudos e Práticas. Brasília, Centro Editorial, 2011
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Em dois posts anteriores, que pode ler aqui e aqui, procurei abordar as questões referentes a fluidez de escritos propiciada por diferentes suportes neste principio de século XXI e os desafios que se colocam à profissionais das áreas das Ciências Humanas.
Se num primeiro momento concentrei-me nas formas e possibilidades de escrita, neste outro momento estarei atenta a desenvolver outra perspectiva:
Em outra margem e não menos importante, teremos a leitura.
Tal como várias outras formas de aprendizagens, sociais e culturais, obedecem a determinados códigos: haja visto que até a forma como deslocamos nosso olhar indica uma ordem que, para o ocidental, vai da esquerda para direita e de cima para baixo. Convenções estas que se colocam como contexto/parâmetro para que a leitura se dê. A seguir, procede-se à leitura propriamente dita e que muitas vezes não é feita palavra por palavra. Em geral essa leitura possui uma forma geométrica, semelhante ao desenho da letra F.
Acompanha essa forma de leitura um código postural e gestual: que nos dias de hoje é feito, em geral, silenciosamente. A leitura em voz alta é utilizada em situações específicas com objetivos claros: em geral como meio de ter atenção para o que se lê, e aí pode ser uma situação pessoal ou nas formas clássicas de aprendizagem por iniciantes. Lemos com todo o nosso repertório social , cultural e pessoal (este composto por experiências sensoriais e intelectuais). Escrito por: Eliana Rezende - Curitiba, Maro de 2014
O bom leitor será arguto, profundo e fará conexões com outros escritos e experiências anteriores presentes em seu repertório. Conexões de sentido e apropriações serão bem vindas.
Com os suportes em formato físico as experiências táteis e sensoriais, serão muito maiores, não precisamos de intermediários como: aplicativos, tecnologias, gadgets em geral. Basta-nos a experiência do silêncio da alma e a inquietude do espírito. A viagem se dará e fronteiras serão rompidas.
Roger Chartier usa a expressão “códigos de leitura” e sua aplicabilidade ao campo da leitura de imagens também procede. Se pensarmos na fotografia, temos o fotógrafo nos dirigindo o olhar e nos indicando para onde, e o que olhar. Caberá ao espectador filtrar isso e aplicar sentido ao que vê.
Essa forma de argumento pode ser aplicada a diferentes mídias e suportes e, por isso, adoto aqui o termo texto ou escrita independente do suporte, mídia ou conteúdo. Assim pensado, o texto é único, porém com tantas e grandes possibilidades de leitura e interpretação!
Para além dessa ampla produção de novos suportes para o registro de escritas, o mundo contemporâneo também produz outra categoria de leitor e de produtores de conteúdos: não teremos mais epístolas ou registros seriados e linearmente postos.
A escrita e a leitura se colocam de outra forma: a escrita não possui mais o componente de linearidade que conhecíamos e diferentes narrativas podem dar-se. Um blog, por exemplo, que seria em outros tempos um diário, apresenta em seu entremeio escritos, imagens, vídeos, sons e que não se encontram dispostos naquela mesma página.
O leitor, por outro lado, é movido e hiperlinkado para outros rumos. O encadeamento do escrito não é de quem escreve, mas muito mais de quem lê e da forma que escolhe como leitura. É nesse contexto que o documento de hoje é produzido e é nessa economia que circula, divaga virtualmente, desterritorializado, numa fragmentação veloz de tempos e espaços.
A narrativa se liberta de seu produtor imediatamente após a sua produção e é nesse sentido que paradigmas necessitarão ser revisitados, repensados e intermediados por muitas outras áreas.
Construções identitárias a partir de relações de convívio sociais serão infinitamente mais trabalhosas de se reconstituir pelos pesquisadores do futuro próximo. As trilhas deixadas terão muitas vias, acessos e saídas.
Neste princípio de século XXI sentimos esta transição que é cultural, social e, principalmente, de formatos e tecnologias. Muito natural que sintamos um tempo como se vivêssemos uma vaga. Com certeza as civilizações que nos sucederem não terão estes questionamentos e poderão achar pueris nossas elucubrações.
Decisivos para essa nova forma de comunicação escrita são os hipertextos e a disponibilidade de tecnologias cada vez mais amigáveis do ponto de vista de compartilhamentos. Nas palavras de Assmann (2000):
[...] Do ponto de vista técnico, o hipertexto foi a passagem da linearidade da escrita para a sensibilização de espaços dinâmicos. Como conceito de conectividade relacional mediada pela tecnologia, podemos definir a hipertextualidade como um vasto conjunto de interfaces comunicativas, disponibilizadas nas redes telemáticas.
No interior de cada hipertexto, deparamo-nos com um conjunto de nós interligados por conexões, nas quais os pontos de entrada podem ser palavras, imagens, ícones e tramações de contatos multidirecionais (links). É importante destacar que o hipertexto contém geralmente suficientes garantias de retorno para que os sujeitos interagentes não se percam e se sintam seguros em sua navegação.
Acomodando-se nesse mundo da quantidade que, em muitos casos, leva ao detrimento da qualidade, temos 140 caracteres (Tweeter) que buscam uma escrita ágil e encontram um leitor pouco atento e muitas vezes sem foco ou concentração. Conexões entre sujeitos e pensamentos potencializam-se e constroem-se. A interlocução chega sempre na horizontalidade e caracteriza-se pela desterritorialização das ideias, de seus sentidos e de seus produtores e consumidores.
Uma nova cognição se configura e denota uma forma diversa de pensar relações e a construção de diferentes saberes.
Outra vez, Assmann afirma: (2000) sobre cognição e aprendizagem:
[...] As novas tecnologias da informação e da comunicação já não são meros instrumentos no sentido técnico tradicional, mas feixes de propriedades ativas. São algo tecnologicamente novo e diferente. As tecnologias tradicionais serviam como instrumentos para aumentar o alcance dos sentidos (braço, visão, movimento etc.). As novas tecnologias ampliam o potencial cognitivo do ser humano (seu cérebro/mente) e possibilitam mixagens cognitivas complexas e cooperativas. Uma quantidade imensa de insumos informativos está à disposição nas redes (entre as quais ainda sobressai a Internet). Um grande número de agentes cognitivos humanos pode interligar-se em um mesmo processo de construção de conhecimentos.
[...] Isto significa que as tecnologias da informação e da comunicação se transformaram em elemento constituinte (e até instituinte) das nossas formas de ver e organizar o mundo. Aliás, as técnicas criadas pelos homens sempre passaram a ser parte das suas visões de mundo. Isto não é novo. O que há de novo e inédito com as tecnologias da informação e da comunicação é a parceria cognitiva que elas estão começando a exercer na relação que o aprendente estabelece com elas.
[...] Em resumo, as novas tecnologias têm um papel ativo e co-estruturante das formas do aprender e do conhecer. Há nisso, por um lado, uma incrível multiplicação de chances cognitivas, que convém não desperdiçar, mas aproveitar ao máximo. Por outro lado, surgem sérias implicações antropológicas e epistemológicas nessa parceria ativa do ser humano com máquinas inteligentes."
Ações, escritos e produções se fazem cada vez mais com o que se chama de “desintermediação”. Em toda a história do homem, intermediários eram necessários para que a comunicação se fizesse e gerasse informação relevante. Hoje, contudo, tal necessidade deixou de existir e as relações passam a ser cada vez mais desintermediadas.
Nas palavras de Lévy:
Nosso tempo assiste a noção de que os meios digitais, são antes de tudo, uma metalinguagem que conseguiu fazer com que todos os conteúdos e formatos fossem libertados de seus suportes analógicos. Com isto, novas relações se constituíram e ainda estão em constituição. Infinitas composições, agrupamentos e criações se fazem, se fundem e nunca temos algo que esteja acabado e pronto.[...] Até agora, o espaço público de comunicação era controlado através de intermediários institucionais que preenchiam uma função de filtragem e de difusão entre autores e consumidores de informação: estações de televisão, de rádio, jornais, editoras, gravadores, escolas, etc. Ora, o surgimento do ciberespaço cria uma situação de desinformação, cujas implicações políticas e culturais ainda não terminamos de avaliar. Quase todo mundo pode publicar um texto sem passar por uma editora nem pela redação de um jornal. O mesmo vale para todos os tipos de mensagens possíveis e imagináveis (programas de informática, jogos, músicas, filmes, etc). Passa-se assim, de uma situação de seleção a priori das mensagens atingindo o público a uma nova situação, na qual o cibernauta pode escolher num conjunto mundial muito mais amplo e variado, não criado pelos intermediários tradicionais.
Neste ambiente, a constante renovação e substituição, é imprescindível e alcança maior autonomia na mesma medida em que as inovações tecnológicas chegam. Muitos autores em obra aberta (wikis, por exemplo) acrescentam e são acrescidos a todo momento até que a mesma é dada por encerrada e colocada para ser consumida por leitores igualmente ávidos. Muito mais seduzidos pela novidade em si do que propriamente pela reflexão aprofundada dos temas expostos.
Sobre isso conversaremos no próximo post, que pode clicar aqui. Até lá.
Bibliografia:
Chartier, Robert (Org). Práticas de Leitura. São Paulo, Estação Liberdade, 1996.
Duque, Cláudio Gottschalg (Org). "Ciência da Informação Estudos e Práticas. Brasília, Centro Editorial, 2011
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Pensados a tinta e escritos à máquina
Chegamos ao fim da leitura?
Como se constrói uma Narrativa Fotográfica?
Uso de tecnologias como política de preservação de patrimônio cultural - documental
Muito apropriado ao nosso tempo, realmente, seu texto, caríssima Eliana. A certeza que temos, hoje, é a de total ausência de um paradigma de leitura, ou seja, não existe modelo. Contudo não sabemos se num futuro próximo toda essa fragmentação, esse "espraiamento" de textualizações se coadunarão em novo modelo.
ResponderExcluircontudo, a reflexão a que seu texto nos remete é de importância incontestável, quando somos educadores cujo cotidiano profissional é alicerçado na leitura e em seu "ensino". O universo das ciências, até então, obediente a um modelo de exatidão e de linearidade, como capturar sua essência e permanência, ainda que efêmera, para nos pautarmos em nossas aulas?
Esta é, sem dúvida, uma grande questão que seu texto suscita, Eliana. Atentemos a ela, pois.
Obrigada. Um abraço.
Ol@ Somos Todos Um...
ExcluirNossa civilização está sendo completamente mudada em seus comportamentos e relações com o escrito e o lido.
É um assunto apaixonante e com certeza estarei trazendo a vcs essas minhas inquietações.
Creio que a discussão vai um pouco além. Não lemos e nem escrevemos como antes.
Todo um conjunto de ações modificaram-se culturalmente.
Creio que um jeito bem proveitoso de compreender isso é ler o artigo que segue esse como continuidade.
Aqui está o link:
http://pensadosatinta.blogspot.com.br/2014/03/em-tempos-de-tintas-digitais-escritos-e.html
Abs e boa leitura!